A exposição individual Projeto Fossilium, do artista, geólogo e paleontólogo José Rufino, ocupa três andares do centro cultural Futuros – Arte e Tecnologia a partir de 16 de setembro. Com curadoria de Franklin Espath Pedroso, Fossilium nos convida a conhecer a vasta e rica trajetória do cientista por meio de vídeos; peças originais, intervenções sobre fotografias, uma instalação site specific (um trabalho inédito criado durante a montagem); além de materiais como blocos de basalto, pedras, ferro, folhagens e conchas, dentre outros. A mostra conta com patrocínio do Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa e Oi, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, e apoio cultural do Oi Futuro.
José Rufino conciliou a carreira de geólogo e paleontólogo com a de artista visual durante 20 anos, e a influência do trabalho científico em sua produção artística se iniciou de forma esporádica e instintiva, mas ganhou importância crescente em sua pesquisa ao longo do tempo. Projeto Fossilium se propõe a ser um divisor de águas na trajetória do artista ao radicalizar de forma definitiva a junção entre arte e ciência, enquanto lados indissociáveis de sua obra. A exposição promete despertar o interesse de toda a família, levando o público a se questionar sobre a preservação do patrimônio natural brasileiro por meio de reflexões que englobam passado, presente e futuro.
“Sempre disse que a arte tinha surgido para completar aquilo que a ciência e a paleontologia não me permitem ficcionar, subverter o estado das coisas da natureza. O paleontólogo só pode medir, comparar, dar nome científico, enfim, não pode inventar. E por isso vinha a arte, para completar esse outro lado”, explica Rufino. Ao longo dos anos, compreendeu a ciência também com gosto do pesquisador e com mais sensibilidade. E por outro lado, foi entendendo que a arte também precisava de métodos. “Hoje entendo a arte como a ciência da arte. Ela passou a ser encarada como área de conhecimento pelo CNPq desde os anos 80, então não tenho mais pudor de chamar hoje de Ciência da Arte, assim como existem as Ciências Humanas, Exatas e Naturais”, completa.
“Ao propor esse projeto, percebi que Rufino já tinha claramente esses dois lados manifestos, que havia espaço para um aprofundamento mais contundente dessa pesquisa que ele vinha desenvolvendo, mas ainda não tão evidenciada em sua obra. Acredito que ele agora teve a ousadia necessária para estabelecer essa comunhão”, analisa Franklin Pedroso, curador da mostra.
“O Projeto Fossilium promove um fluxo de narrativas nas quais se misturam temporalidades, realidade e ficção em um trânsito entre arte, ciência, história e natureza. Esta abordagem de Rufino está em total sintonia com a proposta do nosso espaço”, destaca o diretor artístico do Futuros – Arte e Tecnologia, Felipe de Assis.
Trajetória do artista percorre três andares do Futuros – Arte e Tecnologia
A ocupação do Futuros – Arte e Tecnologia começa no térreo, onde vídeos de making of de José Rufino em seu ateliê na Paraíba e uma videoarte produzida pelo artista serão exibidos nos três monitores próximos à escada e no videowall, respectivamente. Nos três andares seguintes, Fossilium recria o percurso do cientista – desde a pesquisa de campo, a coleta de materiais, passando pela catalogação e identificação até a exibição.
Batizado de Mente et Maleo – lema universal da Geologia que significa Mente e Martelo –, o espaço expositivo do primeiro andar abrigará obras criadas a partir de objetos e impressões coletadas em expedições realizadas por Rufino em regiões do Cariri, Sertão, Curimataú, Agreste, Seridó e litoral da Paraíba, estado natal do artista. Elas formam uma espécie de reserva técnica, como se um cientista tivesse acabado de chegar de suas expedições, desembalando os materiais de campo, para começar a classificá-los e apresentá-los ao público. Assim como o paleontólogo resgata histórias, fragmentadas em provas de vida condensadas pelo peso do tempo, Rufino busca novas possibilidades de um resgate afetivo das memórias, estabelecendo narrativas que buscam unir passado e o presente, marca recorrente de sua trajetória artística.
O nome do segundo andar da mostra, De Natura Fossilium (Sobre a natureza dos fósseis, em latim), mote da exposição, repete o título de um dos livros do cientista alemão Georgius Agricola (1494-1555), considerado o ‘pai da mineralogia’: “Na época de Agricola, a palavra fóssil tinha um significado mais amplo e se referia a minerais, fósseis, tudo que era retirado do chão”, conta Rufino. Nesse espaço, cria seu museu imaginário e expande a relação entre a arte e a ciência em peças onde os dois campos se fundem. Pedras, gesso, ferro, folhagens, areia, conchas, ossos, concreto e terra são alguns dos materiais que dão origem a fósseis quiméricos, mas cuja abstração não se desprende de todo a uma lógica científica, evidenciando a comunhão entre os dois saberes na obra do artista. Compõem ainda a mostra intervenções do artista sobre fotografias e gravuras, algumas com mais de cem anos, que foram as primeiras representações de tempos passados, os paleoambientes.
Rufino aproveita a ocasião para levantar uma questão que acredita ser fundamental – em nenhuma das obras são utilizados fósseis reais, fato que será sinalizado na exposição. Por seu valor histórico-científico, a legislação brasileira não permite o uso nem a posse particular desses materiais: “Acho pertinente e apropriado em uma mostra que fala sobre o assunto salientar esse fato para o público e alertar inclusive para o tráfico internacional de fósseis e a falta de cuidado com o patrimônio geológico-paleontológico”, destaca.
A última parte da mostra – cujo nome também se apropria de um livro de Agricola, De re mettalica (Da questão dos metais) – ocupa o terceiro andar do espaço, onde Rufino cria uma instalação site specific sobre a mineração. A obra versa sobre a relação do ser humano com a natureza, os bens minerais como fonte de lucro, o ciclo de decomposição das rochas e a evolução da vida. Blocos de basalto, tecidos com fotografias e desenhos, almofadas pneumáticas e pontas de perfuração usadas na mineração são algumas das peças que são ressignificadas pelo artista em um cenário cujo tom catastrófico convida o público a refletir sobre a urgência do assunto.
Depois de enfrentar, no início da carreira, certa resistência em relação à coexistência entre as duas atividades, José Rufino acredita ter hoje seus dois “eus” um pouco melhor compreendidos: “Havia uma espécie de limbo onde por vezes eu me sentia, como se cada lado me diminuísse em relação ao outro, como se fosse uma coexistência proibida, campos incompatíveis e inconciliáveis”, acredita. Hoje, se entende cada vez mais à vontade como produto desses dois saberes. “Essa mostra é como uma retomada de terreno, de pensamento. Por isso a considero a mais importante de todo o meu percurso artístico. É uma espécie de transe entre as epistemologias da geologia, paleontologia e arte. É um desafio enorme, como se eu estivesse tentando, de fato, propor uma área de atuação conjunta”.
Franklin Pedroso endossa o pensamento do artista e completa: “Ao percorrer a exposição, o visitante é instigado a questionar nossa história, a ciência e, sobretudo, o papel da arte. José Rufino assume o desafio de um grande artista, cujo trabalho transcende as fronteiras da arte e da ciência, deixando um legado de questionamentos sobre a preservação do patrimônio natural e reflexões sobre nosso passado, presente e futuro”.
SERVIÇO:
Temporada: de 16 de setembro a 29 de outubro de 2023
Exposição também integra programação paralela da ArtRio 2023
Horários: quarta a domingo, de 11h às 20h
Ingresso: entrada franca
Local: Futuros – Arte e Tecnologia
Endereço: Rua Dois de dezembro, 63
Informações: 21 3131-3060
Classificação indicativa: livre