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Diversidade que move a inovação

31/07/2020

Diversidade que move a inovação

“Se a diversidade e a inclusão estão no cerne da empresa, estes valores impregnam todos os processos” – Christiane Silva Pinto, gerente de makerting do Google Brasil.

Como mulher negra, na minha vida inteira aconteceram coisas que me lembravam de quem eu era. Sempre fui uma das únicas negras nos espaços que ocupei. Mas não há uma educação racial no Brasil para uma jovem entender, no nível que eu entendo hoje, por que isso acontecia.

Na universidade comecei a formar uma rede com as poucas mulheres negras que haviam. Pela primeira vez, passei a comentar em voz alta sobre raça, a me unir com gente com quem eu me identificava. Era uma consciência começando a se expandir.

Quando entrei no Google, várias coisas mudaram na minha vida, em questão de acesso, de viagens, de dinheiro, de trabalhar com gente muito boa no que faz. Vi o quanto isso foi transformador para mim. Trabalhei por seis anos na área de recursos humanos e, na parte do recrutamento, percebi o poder que eu tinha de transformar a vida de outras pessoas como eu. Foi ali que tive as primeiras experiências de ação relacionadas à diversidade e inclusão.

Fundei o comitê AfroGooglers em 2014 e a trajetória, primeiro, teve foco em educação, em levantar o debate sobre o porquê de não haver mais pessoas negras naquele ambiente. Conforme fomos crescendo e ganhando mais membros, ampliamos a atuação para trabalhar em parceria com ONGs e iniciativas que buscassem resolver problemas reais da comunidade, além de ter um pilar de desenvolvimento de carreira e saúde mental para os funcionários negros do Google.

Quando falamos de diversidade, falamos sobre todos os diferentes corpos, cores, cabelos, pensamentos, personalidades, religiões, idades, origens e sotaques. Tudo é diversidade, é a grande variedade de seres humanos dentro de um universo ou organização.

Por muito tempo, o mercado apenas falou sobre diversidade. Isso evoluiu e passaram a discutir diversidade e inclusão.

 

Hoje tem se falado em diversidade, inclusão e equidade – um conceito que complementa os outros dois e é fundamental.

 

Inclusão é a confirmação de que todas as pessoas diversas sintam-se pertencentes a um determinado lugar e que possam ser elas mesmas ali. É garantir que estereótipos não interfiram na tomada de decisão. São ações práticas para que haja uma convivência justa e que todos tenham a mesma chance de sucesso.

Equidade é a base da inclusão. É entender que as pessoas têm origens e trajetórias desiguais e que, não podendo voltar no tempo para resolver injustiças no passado, é preciso criar ferramentas para garantir que elas tenham a mesma oportunidade depois. Na questão de grupos minoritários, estamos falando sobre injustiça social, violência sistêmica e racismo estrutural.

 

Não podemos buscar meritocracia em um ambiente no qual as pessoas não partem do mesmo lugar, não têm as mesmas oportunidades.

 

Equidade é nivelar todas as pessoas para que todos tenham a mesma chance de evoluir. Tem a ver com ação afirmativa, com reparação.

Uma empresa existe para vender um serviço ou produto a um público. Quanto mais ela entende sobre esse cliente, maior a chance de sucesso. A política de contratação, as campanhas de marketing, o design do site ou até a decoração da loja passam mensagens. Cada decisão de uma organização fala ao consumidor sobre quem está por trás dela.

Isso é valiosíssimo hoje. Se a diversidade e a inclusão estão no cerne da empresa, esses valores impregnam todos os processos. E aí o resultado final consiste em produtos ou serviços que conversam com todos os clientes, por mais diversos que estes sejam. Isso é uma forma de inovação.

Temos falado muito do setor privado, mas a discussão não é restrita a ele. O racismo no Brasil é um problema da sociedade, não de uma ou outra empresa. Todo mundo deve se envolver e se comprometer a mudar essa realidade, transformar a injustiça. Nesse sentido, óbvio que o Estado tem o maior papel em nivelar as oportunidades e tornar a sociedade mais igualitária.

Infelizmente, não temos visto – e não vamos ver no governo atual – medidas contra o racismo. Nesse cenário, é mais importante que nunca que as empresas assumam a responsabilidade de resolver as questões de diversidade e inclusão internas, que impactam inclusive a inovação delas próprias, e devolver para a sociedade de alguma forma com uma pauta antirracista concreta.

 

O primeiro passo da mudança é o diagnóstico do problema. É olhar para si, no nível individual, corporativo e coletivo, e analisar as próprias ações, perceber como está cerceando a inclusão ou perpetuando o racismo.

 

Sair da conversa e da reflexão e ir para ação é básico. É preciso interesse, recurso, dinheiro, tempo e mão de obra. Não existe segredo. Priorizar ações afirmativas e entender que não vai resolver nada no curto-prazo, com uma iniciativa isolada ou uma contratação. É um problema que vem de centenas de anos no nosso país, então é ingenuidade achar que só a representatividade, que é a ponta do iceberg, vai resolver. É um comprometimento 360, de longo-prazo.

Por fim, é preciso valorizar quem entende do assunto. Se tem alguém dentro da organização que se levanta para falar sobre racismo, é porque esta pessoa sentiu na pele, estudou muito e se aprofundou sobre o tema. Escute o que ela tem a dizer.”

 

“Diversidade é um imperativo da inovação. Não dá para inovar em um ambiente homogêneo” – Paulo Rogério Nunes, consultor em diversidade e fundador da AFAR Ventures.

 

Nasci em uma comunidade periférica de salvador e, na adolescência, comecei a me aproximar dos movimentos sociais. Rapidamente compreendi que as oportunidades são diferentes dependendo do seu CEP, de onde você mora.

Aprendi a me conectar e a trabalhar na internet em 1998. Isso abriu muito a minha visão de mundo. Comecei a pesquisar sobre cultura afro-americana, sobre história da África. Aprendi inglês online. Esse momento da vida me deu a base para, ao entrar na universidade, me aproximar mais do ativismo negro e me interessar pelo tema diversidade.

Há cerca de dez anos, a diversidade virou foco da minha vida profissional. Foi uma forma de juntar meu conhecimento em movimentos sociais ao crescente interesse do mundo corporativo por esse assunto. Hoje ajudo empresas a lidar com a complexa questão da diversidade, especialmente em relação à população afro-brasileira.

 

No Brasil, durante muitos anos, negou-se o debate sobre diversidade, sobre racismo.

 

Enquanto os EUA discutiam direitos civis para a população negra, aqui estávamos em uma ditadura militar. O debate nos EUA, na Europa e na África do Sul é muito mais aberto sobre este tema, há muito tempo. Aqui no Brasil tivemos a negação desse debate por anos.

A discussão da diversidade no setor empresarial ainda é muito recente no país. Há poucas empresas que podem realmente se orgulhar do trabalho que fazem nesse sentido de maneira efetiva, com resultados. Há um caminho enorme a ser trilhado.

Existe muito mais debate, conversa e reflexão que ação prática. O consumidor está cada vez mais atento a isso. Ele não quer só discurso bonito nas redes sociais, não quer só propaganda com gente diversa. Ele quer ação concreta.

A representatividade é uma página no livro da igualdade, de oportunidades, da inclusão. É uma página fundamental: tem a ver com se ver na mídia, na publicidade, na TV, e significa auto-estima, construção da identidade. É fundamental especialmente para as crianças e para os jovens que estão moldando sua identidade.

Mas a representatividade tem limites. As outras páginas deste livro falam sobre a proporcionalidade nos espaços, se as pessoas não estão só na propaganda mas dentro da empresa, como fornecedores, como CEOs ou vice-presidentes. Toda a cadeia produtiva tem que incluir as pessoas marginalizadas. Nos EUA, existem iniciativas que definem um gasto mínimo de uma empresa com fornecedores de grupos minoritários. Isso é ir além da página 2, além da representatividade. É uma ação concreta.

 

Diversidade é um imperativo para inovação. Não há como inovar se você tem um ambiente homogêneo e pouco plural. No mundo das startups, se fala muito sobre escala, exponencialidade, e isso envolve diversidade.

 

Os clientes são diversos, têm histórias complexas, têm experiências de vida diferentes. Não dá para resolver todos os problemas com uma solução única. Não é sobre centralidade no cliente, mas sim nos clientes. Em todos eles. Diversidade étnica, racial, etária, regional e de gênero, para que os negócios sejam mais multifacetados e conversem com todos os públicos.

Várias pesquisas e consultorias apontam que diversidade gera inovação nas empresas. Quando se tem um grupo homogêneo, todas as pessoas pensam igual, frequentaram as mesmas escolas, têm as mesmas referências culturais, circulam nos mesmos espaços, e reproduzem apenas uma visão de mundo.

 

Não dá para a Avenida Faria Lima querer explicar o Brasil.

 

Tecnologia é um instrumento fundamental tanto para aprofundar desigualdades quanto para minimizar o impacto delas.

Nos últimos anos, a tecnologia foi barateando e permitiu que pessoas sem voz política pudessem ser ouvidas nas redes sociais. Temos jovens das comunidades com milhões de seguidores, e eles nunca teriam a mesma oportunidade na grande mídia. São vozes que foram silenciadas por séculos e hoje podem falar. Isso é a parte linda da tecnologia, e por isso sou entusiasta dela.

Por outro lado, a tecnologia pode ser usada para controlar os movimentos sociais, com reconhecimento facial. Já vemos casos de inteligência artificial que replica comportamentos racistas. E aí vira um instrumento de discriminação e de totalitarismo.

 

O racismo do século XXI inevitavelmente será o racismo dos algoritmos.

 

Por conta da velocidade exponencial com que a tecnologia se desenvolve, esses assuntos precisam ser resolvidos agora. Lá na frente será mais difícil. O racismo não é estático, ele muda ao longo do tempo.”

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