STEVENS REHEN: “Não vamos sair dessa situação sem valorizar o papel da ciência”
24/07/2020
Por The Shift
Stevens Rehen é cientista brasileiro, professor da UFRJ e Instituto D’Or, estuda células neurais e organoides cerebrais. Ele é um dos 16 especialistas em futuro, tecnologia, arte e comportamento que fazem parte do line-up do Festival Oi Futuro, um evento online e gratuito que acontece nos dias 23 e 24 de julho, sempre a partir das 17 horas.
“Qualquer tecnologia teve seu início na academia, com investimento estatal e apoio público à ciência”
Vivemos uma situação extremamente polarizada entre a ciência e a desinformação. Existem movimentos que têm a anticiência como pauta, como uma estratégia. Boa parte do crescimento da desinformação deve-se ao peso que as redes sociais dão para algumas das publicações e opiniões que estão ali. Mas, por outro lado, com a pandemia vemos um fortalecimento do jornalismo.
Há uma retomada dos grandes veículos de informação. Vemos vários cientistas e médicos com colunas em grandes jornais e este movimento fica claro também pelos ‘divulgadores de ciência’, como o Átila Iamarino, a Natalia Pasternak, e vários outros. O próprio evento organizado pelo Oi Futuro tem um pouco desse viés de divulgação científica.
Perceber a importância do método científico e da medicina baseada em evidências é crucial para a sociedade e para o indivíduo.
É entender por que determinado medicamento funciona ou não; por que em um momento a informação divulgada era uma e, com novos dados, ela acabou mudando. Isto é doloroso, pois seria muito mais fácil ter uma fórmula mágica que resolveria todos os problemas. Dizer que a cloroquina vai salvar tudo, por exemplo, é um discurso que não é científico, que confunde as pessoas.
Não vamos sair desta situação sem valorizar o papel da ciência, pois é ela que vem demonstrando como se dá a transmissão do coronavírus e é ela quem vai desenvolver uma vacina.
Mas mesmo a vacina se insere em uma série de elementos que farão a sociedade funcionar dentro de uma nova perspectiva, elaborada a partir do método científico, nos próximos anos. Isso significa tentativa e erro, significa buscar os dados para entender por que algo deu resultado ou não. É dessa forma que se constrói conhecimento, que se desenvolve tecnologia.
Nos EUA, mais de 50% do investimento em qualquer área da ciência e tecnologia é público. Gosto dessa ideia de uma composição mista. Inovações em estágio inicial são um risco muito grande para um investidor, porque não necessariamente vão virar logo um produto ou serviço. Mas, para o Estado, é interessante possibilitar que essas pesquisas iniciais avancem.
Quase qualquer exemplo de tecnologia desenvolvida em uma empresa ou startup teve seu início na academia, com investimento estatal. Tudo isso, porém, passa por um apoio público à ciência e ao método científico.
Antes da pandemia, discutia-se na comunidade científica estender a vida para além dos 150 anos. Isto por conta de um novo entendimento do processo de envelhecimento, em que a longevidade será possível por meio de intervenções médicas e pela medicina personalizada.
Discutia-se Inteligência Artificial: temos uma série de exemplos de diagnósticos que são melhores quando realizados por máquinas. Falava-se nas cirurgias robóticas, na medicina personalizada baseada na genética, na reprogramação de células para construção de órgãos dentro do corpo.
Tudo isso faz parte de uma utopia, que é importante para o estímulo da Ciência: alcançar algo que há algum tempo parecia inalcançável.
Hoje, o modelo de inovação do Vale do Silício está sendo cobrado entre os cientistas, porque o foco principal era em inovações para o indivíduo e não para a sociedade como um todo. Há muito poucas soluções que se preocupam com o saneamento básico, por exemplo. Isso provavelmente vai mudar pós-pandemia.
A Covid-19 veio como um baque para essa visão de futuro, estancou os pensamentos de longo prazo e nos fez repensar alguns pontos.
Em análise final, todos esses desafios estão dentro de um desafio maior, que é o de reduzir a desigualdade. Nenhuma das tecnologias que citei terão sucesso se ficarem restritas a uma pequena parte da população.
O poder de planejar melhor a vida baseado em informações é uma das grandes virtudes da ciência. A medicina genética e preditiva é um exemplo disso.
Eu, por exemplo, fiz o sequenciamento do meu DNA e tem coisas curiosas, como um polimorfismo em um gene que me faz digerir muito lentamente a cafeína. Então, hoje eu sei que se eu tomar café à noite, não vou conseguir dormir. Ao mesmo tempo, também me atentei a alguns riscos de doenças genéticas, e isso me faz ficar mais atento à saúde dos meus filhos.
Acho essas informações essenciais para quem gosta da ideia de reduzir as consequências de comportamentos nocivos à saúde específica dessa pessoa. Claro que é possível pensar pelo lado de uma pessoa que descobre um risco alto de uma doença para a qual não há cura ou tratamento. Mesmo assim, acho importante ter a opção de conhecer esta informação. Sou completamente a favor dessa disponibilidade de informação.”