TERESA SERRANO
06/09/2013
A artista mexicana, que busca a linguagem para além do texto, como meio de afirmação social da mulher, e conta com uma extensa produção de vídeos, fala sobre a exposição “Desenlace”, que apresenta, ao lado do argentino Miguel Angel Rios, no Oi Futuro Flamengo.
OF. A exposição “Desenlace” reúne vídeos que discutem a recorrência dos jogos de poder em incontáveis aspectos do viver. Como você relaciona este tema com a situação das mulheres na sociedade atual?
TS. Todos os temas dos vídeos da exposição, apesar de terem datas diferentes (1998-2010) se relacionam com a situação das mulheres até os dias de hoje. A violência e a misoginia não mudaram muito no mundo. Agora as mulheres enfrentam também a competição de gênero no trabalho. O termo glass ceiling, ou telhado de vidro, se aplica ao impedimento no avanço das carreiras de mulheres qualificadas, devido à dominação masculina.
OF. Assim como Miguel Angel Rios, você vive entre a cidade do México e Nova York e suas obras refletem a força e os contrastes da cultura hispânica. Como estes se cruzam com a sociedade brasileira?
TS. Não estou familiarizada com o comportamento da sociedade brasileira sobre este tema. O Brasil tem uma língua com certo ritmo muito mais suave que o espanhol, mas é América Latina, e imagino que também exista o comportamento machista, comum ao continente. Nos Estados Unidos, apesar dos avanços feministas no mundo, as mulheres sofrem, talvez em menor grau, os mesmos conflitos de gênero. Certamente a frase Glass ceiling foi criada naquele país.
OF. Seus vídeos dialogam com o cinema, com a poesia e também com as telenovelas, um elo entre a cultura brasileira e a mexicana. Como você compreende as possibilidades abertas pelo diálogo entre as diferentes mídias? Além do vídeo, quais meios de expressão fazem parte de sua produção?
TS. A poesia tem sido parte do meu trabalho desde que comecei. Quando decidi ser artista, pintava e, na maioria dessas pinturas, usava frases populares ou fragmentos de poemas de poetas como Benedetti, ou do novaiorquino David Shapiro, Paul Auster, Borges, etc. Também usei uma ou outra frase de filósofos.
Mais, recentemente, trabalhei com texto. Me inquietam as mudanças que a língua está sofrendo. Um exemplo claro é a escrita na Internet, em que a cada dia, com a velocidade do tempo e da comunicação, vamos abreviando mais e mais a escrita. Trabalhei com cera, com gelo, com meios efêmeros que denotam fragilidade, como nas palavras Sempre/Nunca, conceitos absolutistas, atemporais, condicionantes e inseparáveis.
“La temporalidad de las palabras expresa un juego casi poético de muerte y renacimiento: las metaforizaciones sucesivas hacen que una idea crezca y se convierta en algo más que ella misma, en una ‘forma de pensamiento’, pues el lenguaje piensa, nos piensa y piensa por nosotros tanto, por lo menos, como nosotros pensamos a través de él.” Jean Baudrillard, Contraseñas
OF. O que o público poderá esperar de sua participação nesta mostra no Oi Futuro?
TS. Só posso falar das experiências que vivi em exibições para as quais fui convidada durante estes anos. Mas, o Brasil adota a telenovela tanto quanto a Venezuela e o México; está familiarizado com este meio de comunicação. Estou muito curiosa quanto à reação do público brasileiro, acostumado mais à arte concreta e minimalista, diante de uma artista que usa a narrativa. Por exemplo, vários vídeos de gênero, como os que serão exibidos aqui, já foram expostos em Nova Iorque, na Americas Society, onde fiz uma palestra. A reação das pessoas foi muito interessante, pois o americano nos vê como gente exótica e passional. Entretanto, houve muitas perguntas e queriam saber se podiam alugar estes vídeos; os associaram mais ao cinema.
No Jeu de Paume, em Paris, as pessoas permaneciam vendo-os muitas vezes, os viam como curta-metragens e sentiam familiaridade com as cenas. Muitas pessoas comentaram comigo que podiam identificar situações que haviam sofrido ou visto entre amigos ou familiares. Falaram-me do cinema noir francês.
No CAAM, nas Ilhas Canárias, Espanha, houve grande interesse dos jovens. Eu comentei com a curadora Margarita Aizpuru que me preocupava um pouco que tanta violência assustaria o público e que sairiam correndo no meio da exposição. Foi toda uma surpresa enfrentar o meio artístico, gente muito jovem que foi escutar minha palestra que seria de 45 min e se estendeu por uma hora e meia, pois os garotos e garotas não paravam de perguntar. O meio que usei os atraiu muito. A banalidade da telenovela foi usada para que a violência de gênero, tão comum na Espanha, pudesse ser notada. O problema é terrível por sua recorrência naquele país, que saiu da era Franquista para ser um país de primeiro mundo em tão poucos anos, mas que, entretanto, viu um aumento dos crimes de gênero, com a liberdade.