Papo de Futuro: Combater a desinformação é tarefa de todos
19/05/2020
A Educação Midiática é definida como o conjunto de habilidades para acessar, analisar, criar e participar de maneira crítica do ambiente informacional e midiático em todos os seus formatos – dos impressos aos digitais. Dentro deste universo, como desenvolver competências que possibilitem a atuação das crianças e adolescentes? Como combater a desinformação causada pela disseminação de fake news? Patrícia Blanco, presidente do Instituto Palavra Aberta, que atua na defesa da plena liberdade de ideias, pensamentos e opiniões; Gabriela Mora, oficial nacional de Desenvolvimento e Participação de Adolescentes do UNICEF; e Carol Marcelli, egressa do NAVE e voluntária no programa de combate às fake news do UNICEF, debateram o tema “Educação Midiática e Fake News”, durante o sétimo webinar da série “Papo de Futuro”, organizada pelo Oi Futuro e transmitida toda quarta-feira, às 19h, pelo canal do Instituto no Youtube.
O encontro virtual foi mediado por Karina Trotta, do Oi Futuro. Patrícia Blanco, que trabalha na área de Comunicação e Relações Governamentais desde 1990, alerta: “Não existe fake news do bem”. Para Gabriela Mora, “novas tecnologias exigem atitude colaborativa, diálogo e aprendizado mútuo”. Já a jovem Carol Marcelli, outra grande entusiasta do tema, confessa: “Quero continuar divulgando e compartilhando informações verdadeiras e, agora, como voluntária, vou fazer muito mais”.
Confira abaixo outras dez reflexões sobre “Educação Midiática e Fake News”:
1)O conceito da Educação Midiática
A era digital trouxe uma superabundância de informação, observa Patrícia Blanco, do Instituto Palavra Aberta, que desenvolve o programa de Educação Midiática, o EducaMídia. No atual momento, é preciso criar novas habilidades que nos auxiliem a ler esse mundo conectado. Ela destaca quatro eixos: a leitura crítica, a autoexpressão, a fluência digital e, principalmente, a participação. “Precisamos aprender a não ser tolerantes com os discursos de ódio, não repassar informações falsas. A educação midiática vai muito além das fake news; nos ensina a pensar de maneira crítica e, com isso, participar ativamente do processo democrático”. A BNCC abriu espaço para debater a questão das fake news. Na Língua Portuguesa, por exemplo, a Base trouxe o campo jornalístico midiático, que representa 25 por cento de todo esse contexto, tratando questões de interpretação do texto, de combate à desinformação, de verificar o que é ou não notícia. Vivemos em um cenário onde as redes sociais nos bombardeiam com mensagens o tempo todo. Umas verdadeiras. Outras falsas. E, entre o falso e o verdadeiro, há diversas nuances.
2)Se fake, não pode ser news
Se as fakes não são novidades, por que estamos vivendo uma verdadeira tempestade de desinformação? Todos passamos a ser consumidores e produtores de informação. E as tecnologias para criar e publicar estão cada vez mais acessíveis. Fake news são inverdades, fabricações, mentiras. Ou seja, conteúdo feito propositalmente para enganar. Atenção para linguagem emotiva, imagens sensacionalistas e pedidos para compartilhar: São indícios de tentativas de manipular suas emoções, acrescenta Patrícia Blanco. Se é fake, não pode ser news. Uma notícia deve ser objetiva, equilibrada, apresentar evidências, citar especialistas e precisa ser atribuída a alguém, de uma fonte. As fake news são tudo isso ao contrário. Não sabemos quem escreveu, quem compartilhou primeiro, de onde surgiram, qual a data da publicação.
3)Exemplos de nuances da informação
Às vezes, a imagem é correta, real, mas está fora de contexto. Primeiro exemplo. Celebridades como o presidente Macron, da França, e o jogador português Cristiano Ronaldo alertam sobre aumento das queimadas na Amazônia. Verdade? As fotos eram realmente verdadeiras, mas fora de contexto, traziam acontecimentos de outras épocas e não retratavam as queimadas. Daí, a necessidade de se avaliar bem a imagem e checar a data. Segundo exemplo. Argentina pede a Messi para usar a camisa do Barcelona para jogar melhor. Verdade? O humor deve ser visto como entretenimento. Terceiro exemplo. Foi descoberta uma vacina para o coronavírus. Verdade? Muitas vezes, só lemos o título e não descemos no detalhe. Simplificamos um assunto que exigiria uma leitura muito mais ampla.
4)Por que as pessoas propagam informação falsa?
Para enganar, ganhar dinheiro, persuadir ou, até, com boas intenções. As fake news causam problemas reais. A desinformação pode agravar uma crise de saúde pública, causar pânico e até episódios de ódio, preconceito ou violência. Ao compartilhar um conteúdo sem refletir, você pode estar espalhando a desinformação. O que devemos fazer? E aí entra a educação midiática. Precisamos praticar o ceticismo saudável. Quando se recebe uma informação, devemos perguntar: “Epa!” – a informação causou em você choque, surpresa ou raiva?; “Peraí” – não passe adiante ainda; “o quê?” – dedique um momento para investigar a informação. Aqui, os quatro movimentos para se checar uma informação: Pause (olhe um pouco para essa mensagem), Investigue a fonte (o que você sabe sobre quem escreveu ou publicou?), Busque informações mais completas (onde mais essa informação pode ser encontrada?), Conheça o contexto (qual a história completa?). Quanto mais a gente sabe, melhor a gente decide.
5)Iniciativas do UNICEF
Criado em 1946, o Fundo das Nações Unidas para a Infância promove os direitos e o bem-estar de crianças e adolescentes em 190 países e territórios, e está presente no Brasil desde 1950. Gabriela Mora, representante da instituição, lembra que, durante a pandemia, o UNICEF entrou como uma das fontes confiáveis sobre as informações de controle e prevenção da Covid no facebook. Temos trazido conteúdos inéditos e reproduzido informações para que sejam facilmente compreensíveis. Neste contexto se insere o Programa TamoJunto, onde trabalhamos com 3 mil jovens. Gabriela citou quatro desafios, percebidos por meio de pesquisas de opinião com adolescentes: Exclusão – há 4,8 milhões de crianças e adolescentes no Brasil desconectados e o UNICEF vem trabalhando para que eles tenham acesso à internet, de forma gratuita; Escola – como espaço de aprendizado e discussão sobre a internet; Uso Seguro x Aventura – como equilibrar isso?; e Consumidores x Produtores – pensar a juventude nestes dois aspectos.
6)Soluções criativas
Um dos trabalhos do UNICEF, citados por Gabriela Mora, é ampliar a inclusão digital. Como fazer para inserir a internet como ferramenta? É fundamental reforçar a importância da maturidade da mediação de professores. Mesmo que não tenham habilidade técnica, são eles que podem perceber o que está acontecendo e trabalhar alguns conteúdos, dialogando de maneira mais horizontal. Não podemos imaginar a internet sem pensar na participação. Há exemplos, como o da jovem Aíla Oliveira, de Salvador, que, graças à internet, acessou um debate sobre feminismo negro. Outra experiência foi sobre o vazamento de imagens íntimas. Aprendemos que para conversar com jovens e adolescentes, não adianta criar novas plataformas. Usamos um robô, uma personagem fictícia chamada Fabi Grossi, criada para ajudar jovens a entenderem o perigo de enviar fotos íntimas na web. Pesquisa realizada sobre as práticas de “sexting” (divulgação de conteúdos eróticos e sensuais através de celulares) revela que as jovens desconhecem qualquer rede de amparo e que o cenário é de total falta de informação e nenhum diálogo. Isso originou um projeto de empoderamento de meninas, orientando-as em inúmeras situações.
7)O papel da juventude como potência
Carol Marcelli, formada em Multimídia, fala sobre a sua atuação como voluntária no programa de combate às fake news do UNICEF. “Sempre tivemos no NAVE um estímulo ao nosso pensamento crítico”. Seu interesse pelo tema surgiu a partir de um workshop, ainda no segundo ano, quando pensou: Não é possível acreditar em tudo o que está na internet! Eu já tinha noção em quanto as fake news afetam a vida das pessoas. A descoberta, aliada ao fato de que sempre tive vontade de ser voluntária, fez com eu procurasse diversas instituições, até chegar ao UNICEF. Neste momento do coronavírus, trabalhamos em dois polos: o Banco de Talentos, onde foi realizada uma pré-seleção de todos os voluntários para que extraíssemos o que cada um poderia acrescentar; e o Dicionário da Pandemia, com gírias, expressões e significados de inúmeras regiões. Isso envolve uma grande pesquisa por parte de outro grupo, que vai garimpando as notícias falsas, para saber como podemos chegar naquele público. Se não tivermos responsabilidade e consciência do nosso trabalho continuaremos no mesmo ciclo.
8)A aplicação nas aulas
Segundo Patrícia Blanco, para introduzir a educação midiática no dia a dia da escola, independente da disciplina, são necessários os três eixos já citados: ler, escrever e participar. É essencial que o professor interrogue o aluno de uma maneira mais crítica e aprofundada. O professor hoje é um facilitador muito mais importante do que na época em que a gente decorava o conteúdo. Ele deve trazer o contexto e pedir que pesquisem sobre o que aconteceu na época, ensinando o aluno a pensar de uma maneira muito mais ampla, praticando o que chamamos de uma leitura reflexiva, expandindo a informação para além daqueles conhecimentos relacionados simplesmente à data ou ao fato em si. No EducaMídia, temos feito formações de professores para ensiná-los a levar essa camada de educação midiática para o seu cotidiano.
9)Dicas para o combater à desinformação
Patrícia Blanco: “Todos nós somos responsáveis. Na dúvida de uma informação, não compartilhe. Ajude a melhorar o ambiente informacional, que vai melhorar a vida de todos nós, inclusive, a nossa”. Gabriela Mora: “Todo mundo também é responsável pelo desenvolvimento de crianças e adolescentes. A escola, a família, a sociedade em geral. Lembrando que hoje essa socialização de crianças e adolescentes acontece também sem fronteiras”. Carol Marcelli: “A gente influencia e somos influenciados. Quando receber algum conteúdo, pense, questione, busque mais, antes de compartilhar”.
10)Como as redes sociais podem colaborar
As próprias redes já têm mecanismos e ferramentas de denúncia. Ao ouvir uma mensagem e descobrir que é uma desinformação, denuncie para que aquilo não se propague, recomenda Gabriela Mora. Podemos utilizar a rede social para fortalecer a relação entre educadores e estudantes. No Programa TamoJunto, muitos jovens chegaram até o UNICEF porque os professores indicaram. É fundamental explorar o vínculo entre educadores e educandos.
Você pode conferir a íntegra do encontro online sobre o tema “Educação Midiática e Fake News” aqui.