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Papo de Futuro levanta reflexões sobre a arte da oralidade

02/12/2021

Papo de Futuro levanta reflexões sobre a arte da oralidade

Para fechar o Mês da Consciência Negra, esta edição do Papo de Futuro traz como tema
“A arte da oralidade para conscientizar as novas gerações”. A importância de guardar,
valorizar e difundir a tradição oral como parte da educação que contempla outras
propostas, que vão além das formas ocidentais de ensinar.

Participaram do debate Verônica Bonfim, escritora, doutora na área Socioambiental, cantora e atriz, que esteve em cartaz no nosso Centro Cultural com o espetáculo infantil “A Menina Akili e seu Tambor Falante”, e Jéssica Castro, pedagoga, pesquisadora do Jongo e dançarina, que
ocupa o Oi Futuro com a oficina “AJO – Ritmos que contam Histórias”, ao lado da Foli
Griô Orquestra. A mediação é de Zelia Peixoto, produtora cultural do Oi Futuro.

A série Papo de Futuro, organizada pelo Oi Futuro, é transmitida pelo canal do Instituto no
Youtube, com acessibilidade em Libras.

“A roda de Jongo está no axé das santas almas porque falar de pretos e pretas velhas é
falar de santas almas. São os nossos ancestrais, e amanhã seremos nós”, observa Jéssica
Castro. “Papo de Futuro é a gente imaginar que o futuro está lá atrás da nossa
ancestralidade. Nós nos perdemos quando nos afastamos dos povos originários, da
natureza”, ressalta Verônica Bonfim.

Confira abaixo dez reflexões de Verônica Bonfim e Jéssica Castro sobre o tema “A
arte da oralidade para conscientizar as novas gerações”.

1) A voz da multiartista Verônica Bonfim
“É sempre muito importante quando nos oportunizam voz e espaço para a gente refletir
sobre a nossa arte, nosso fazer cotidiano”, diz esta mulher negra, de pele clara, cabelo
black power preso. Com seus dois violões, instrumentos de trabalho, ela deseja paz, não
só no Mês da Consciência Negra, mas, também, todos os dias, para o Rio de Janeiro,
cidade que a acolheu há 15 anos. Professora na área Ambiental, Verônica Bonfim é uma
artista negra em movimento.

2) A potência de Jéssica Castro
“Peço licença aos mais velhos, aos mais novos, aos mestres e discípulos. Agradeço a
conexão e a possibilidade de estar aqui e de assentar esse espaço para protagonizar as
nossas experiências e vivências. Precisamos reverberar nas nossas rodas o que os nossos
ancestrais foram e o que nós somos hoje, dando continuidade aos nossos filhos”. Jéssica
Castro usa uma tiara de búzios e uma blusa de chita, representando toda a conexão das
giras e da roda. Com seu tambor do Jongo, a pedagoga e Bacharel em Dança, de 36
anos, hoje morando em Santa Teresa, com o filho Artur, de nove anos, observa: “Nessa
travessia, fui traçando um lugar no mundo”.

3) A roda do Jongo é mágica
Para contar sobre sua vivência, Jéssica se refere à avó, dona Elídia Rangel Domingos,
de 91 anos, nascida em Leopoldina, Minas Gerais, de quem ouviu a frase: “A minha
bisavó falava de uma dança, com fogueira, umbigada, que nem essa que você faz hoje,
que nem a dança de Tia Maria do Jongo, já falecida”. E foi nesse processo que ela
compreendeu que o encontro com o Jongo tem a ver com essa cultura ancestral. Seu
primeiro contato com a dança foi no Sesc São João de Meriti, na Baixada Fluminense,
através de um projeto de artes cênicas, com a professora Denise Sá. “E aí, comecei a
entender que aquele tambor já fazia algo muito substancial no meu corpo”. Depois, no
terceiro período do curso de Bacharel em Dança na UFRJ, ela conhece a Companhia
Folclórica do Rio de Janeiro e mestres atuantes, que traziam no seu fazer pedagógico,
uma roda de prosperar as culturas brasileiras. “Quando eu entro na academia, éramos
40, sendo apenas quatro pessoas pretas. Hoje, todos nós somos grandes artistas, grandes
intérpretes e dançarinos”. Jéssica, então, começa a entender que aqueles tambores,
aquela regionalidade começaram a fazer sentido. Foi indicada para um estágio na Escola
do Jongo da Serrinha, onde compreendeu os becos e vielas. “O Jongo é uma conjectura
ancestral, que nasce na Região Sudeste, está atrelada às lavouras de café e de cana-de-
açúcar, e ao movimento dos gestos do trabalho açoitado, transbordando a necessidade
de falar coisas que aqueles senhores não entendiam. É através da oralidade que a roda
acontece. Uma roda com tambores, umbigada, com o pedir licença. Podemos dizer que
no circuito carioca, o Jongo que deixa o campo rural pelos nossos primeiros grandes
descendentes, chega na favela e assenta ali as suas rodas dentro do universo da
comunidade. O sentido é esse: só está na roda de Jongo quem sabe ouvir, falar, cantar. É
uma roda mágica. O Jongo é um olhar pedagógico para a vida. É conjectura preta, e,
inclusive, uma ferramenta de debate antirracista”.

4) A dramaturgia e a arte na conscientização das novas gerações
“Para mim, foi a capoeira que me deu esse sentido de pertencimento, de negritude e de
reaproximação com os meus ancestrais”, reconhece Verônica Bonfim. “E olha que
interessante: eu saio da Bahia para fazer capoeira em Minas, eu saio da Bahia para me
tornar umbandista no Rio de Janeiro. Ou seja, é como se eu estivesse em busca desses
meus lugares no mundo. Somos corpos africanos na diáspora. E de onde vem a minha
origem?” A família materna, do oeste da Bahia; a paterna, de Salvador, num lugar de
resistência, onde surgem os primeiros quilombos. Verônica diz que, para a sociedade
africana, a oralidade tem uma importância fundamental. “A palavra escrita não é a única
que elabora o nosso saber, e, sim, uma das formas para representar o nosso saber. Que a
gente nunca esqueça a Sankofa, uma filosofia da África que diz: não tenha medo de
voltar lá atrás para pegar o que é seu. Se a gente não consegue oportunizar voz para os
corpos que estão na base, nunca iremos existir. A oralidade está na palavra e no violão
do Cartola. A arte tem o poder de nos reconectar com o sagrado, de transformar a
sociedade. Enfim, o conjunto que chamamos de arte tem o poder de mudar a narrativa.
Quando faço minhas Oficinas Brincantes eu não falo em nenhum momento na palavra
racismo. Eu não preciso falar para a criança que a minha pele é linda, que o meu cabelo

é lindo. Eu vou por uma outra via, eu vou pela via do ‘sim’, do positivo. Para mostrar
para ela o quanto a gente é potente”. Verônica comenta sobre a personagem Akili, de
seu espetáculo que esteve em cartaz no Oi Futuro, e acrescenta: “Eu sou essa menina e
estou em busca dessa ancestralidade”.

5) Desejo que meu filho volte vivo
Jéssica transita em muitos espaços ao mesmo tempo e diz que as ocupações no Rio de
Janeiro transbordam em necessidade de afetividade, de acolhida e de potência. “Tenho
descoberto as ocupações dos nossos territórios, durante a pandemia, e pedindo aos céus,
a Ölüm, um desejo de chegar próximo através de nossas pedagogias pretas. E, ao
mesmo tempo que estou nesses espaços, com as nossas crianças pretas, há outros em
que eu não tenha nenhuma criança preta, mas que são o presente e o futuro, onde eu
conto as minhas histórias, com o Jongo, com o Maracatu. Nossas tecnologias ancestrais
são segredos e não podem estar nas mãos de todos”. Jéssica destaca a pedagogia do
transbordar e ressalta: “Quero que meu filho crie uma elegância enegrecida de
estratégias e movimentos de descoberta sobre si, e quando ele se deparar com a
violência, ele saber responder, a ponto de se manter em pé. Desejo que meu filho volte
vivo”.

6) Como trabalhar a temática dentro do ambiente escolar
Não tem outra via que não seja a Educação, responde Verônica. “A arte ajuda, mas nem
todo professor é artista. Você pode não utilizar as ferramentas artísticas, mas o
importante é ter educadores e educadoras conscientes de seu papel (e eu não falo só de
gente preta). Eu fui fazer uma Oficina Brincante em Queimados, levada pela educadora
Branca que, há anos, tem uma luta sozinha contra o racismo dentro de uma escola
pública. E foi incrível porque ela conseguiu agregar outros professores. Eu quero dizer,
Zelia, que é importante ter você no Oi Futuro, é importante ter a Jéssica ocupando
vários espaços. Acho que a chave é quando a gente consegue agregar esses educadores
conscientes da importância desse papel, e fazer valer a Lei 10.739 (que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional) colocando em prática a obrigatoriedade do
ensino de África nas escolas”.

7) Oportunizar espaços para a roda
“Eu não tenho receita de bolo, mas acho que quando se está nas rodas de Jongo, ou nos
CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) ou nos CIEPs (Centros Integrados de
Educação Pública) ou no Morro do Alemão, é muito importante oportunizar espaços
para a roda. Convide seus mais velhos para irem lá contarem uma história, para tocar,
dançar. Porque a partir daí você começa a desconstruir um lugar. Enquanto nossos
corpos pretos não estiverem nos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário),
aprovando editais e políticas, nós não vamos avançar”, reflete Verônica.

8) Sobre equidade de gênero
Verônica acha que o cerne da questão é o antirracismo. “Se a gente combate o racismo
no Brasil, conseguimos combater todas as outras diferenças, todos os outros hiatos e
ausências, tanto na área ambiental, como na questão de classe e gênero, porque é a
família preta que está nessa base. É essa mulher negra que não tem o companheiro de
volta para casa quando o guarda-chuva dele é confundido com um fuzil. Posso falar
sobre as minhas vivências: eu sou uma mulher negra, lésbica, nordestina, Imagine
quantos atravessamentos o meu corpo está sujeito. Ao mesmo tempo, eu sou uma
mulher negra de pele branca, sou uma mulher acadêmica e não periférica. Sou uma
mulher feminista e endosso o feminino negro”.

9) Inserindo o corpo preto
“E aí eu fico pensando. Sou uma mulher preta, venho de uma comunidade, no Jardim
Gramacho, Duque de Caxias, sou mãe, acadêmica, e um dos próximos anseios é o meu
mestrado, o doutorado, porque eu quero estar nesta estatística para concluir aqueles
espaços de fala e narrativa. E eu serei esse lugar por todas nós. Há três anos, eu
encontrei uma nova forma de afeto. Conheci Tatiana, hoje Vitorino, um homem trans e
fui me encontrando enquanto mulher. Cada flecha lançada contra os nossos corpos é
algo a mais que a gente tem para mover e gestar esse desafio. Hoje, com esses novos
lugares de reflexões, estou inserindo esse corpo preto”, conta Jéssica.

10) Gratidão! Axé!
No encerramento do Papo de Futuro, Jéssica cantou um Jongo de uma mana preta
chamada Roberta Ribeiro. Mãe, da favela, linda, musicista: “Jongueiro velho, amigo
meu, eu já vou me embora, está na hora de dizer adeus….”. Verônica acrescenta:
“Gratidão! Ela agradeceu ao Oi Futuro, neste último dia de novembro, Mês da
Consciência Negra. E deixou uma mensagem final: “Consumam autores negros. Leiam
para as suas crianças histórias negras. Prestigiem a literatura afro-brasileira”.

Você pode conferir a íntegra do encontro online sobre o tema “A arte da oralidade
para conscientizar as novas gerações” clicando aqui.

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