Festival Novas Frequências comemora dez anos com homenagem à pioneira da arte multimídia Jocy de Oliveira
01/12/2020
A 10ª edição do Festival Novas Frequências, considerado o principal evento sul-americano de música experimental e arte sonora, irá acontecer entre os dias 01 e 13 de dezembro de 2020. O formato digital apresenta 43 propostas realizadas especialmente para o Novas Frequências, de artistas provenientes de 13 estados do país, que poderão ser assistidas no próprio site do festival, que terá ainda uma programação educativa composta por seis conversas e um curso com quatro aulas.
Num momento onde a arte performática presencial se encontra em estado de suspensão devido à pandemia de Covid-19, a estratégia adotada pelo festival é de não realizar “lives” ou outros formatos de música ao vivo, mesmo que virtuais, com fins de buscar novos formatos de apresentação. Respeitando um dos conceitos mais caros ao Novas Frequências, que é o alargamento das fronteiras sonoras, a decisão encontrada é a de não substituir o presencial através de emulações ou simulacros — mas criar outras formas de apresentação apoiadas em vídeos pré-produzidos e conteúdos multilinguagem: trabalhos audiovisuais, videoarte, curta-metragem, vídeo-ensaios, experimentos com som imersivo, podcasts, websites, dentre outros.
“O Oi Futuro reafirma seu apoio ao Festival Novas Frequências, que, ao longo desses dez anos, se consolidou como importante plataforma de renovação da música e da arte sonora. Neste momento de pandemia, em que a arte e a cultura se tornaram ainda mais importantes na vida de todos, nosso objetivo é fortalecer festivais e incentivar artistas brasileiros que buscam se reinventar e experimentar novas formas de interação com o público”, afirma Roberto Guimarães, gerente executivo de Cultura do instituto.
“Chegar aos 10 anos é uma marca histórica para a cena de música experimental no país e isso precisa ser grifado com todas as cores. Não foi fácil chegar até aqui, 2020 não está sendo fácil e não será nada fácil continuar no futuro próximo. E é por isso que o Novas Frequências chega aos 10 anos trazendo como tema central o ‘X’. Referência imediata ao número romano, mas também ao ‘X’ de indefinição, de incógnita, de oposição, de enfrentamento, de ruptura, de negação, de colaboração, de pluralidade, de feminino, de não-binarismo e de tantos significados imbuídos neste símbolo tão rico e potente”, diz o curador Chico Dub.
Como é notável que vivemos um momento de crise não apenas devido à pandemia, mas também por novos arranjos culturais e de redefinição do espaço público, as obras presentes no festival surgiram como reflexões político-sociais. Elas abordam temas como a emergência e potências de corpos dissidentes, antes invisibilizados; trazem à superfície as raízes mais profundas de toda a música, pautadas nas pesquisas dos sons da diáspora africana; a conexão literal com a terra na reflexão sobre abismos, tremores e abalos sísmicos; delineiam e expandem os limites traçados entre a palavra e a voz; mergulham em temporalidades lineares e não-lineares; e apresentam investigações cotidianas sobre os sons da quarentena, criados e percebidos na impossibilidade dos encontros presenciais.
Pela primeira vez na história do Novas Frequências, a programação é 100% brasileira. De acordo com Chico Dub, a razão é política: “no momento onde a já naturalmente fragilizada cena de música de invenção se apresenta de forma ainda mais delicada, se faz completamente necessário o apoio à classe artística local”.
Depois das participações no ano passado de Beatriz Ferreyra e Èliane Radigue, duas das principais pioneiras da música eletroacústica em todo mundo, chegou a vez do Novas Frequências finalmente receber Jocy de Oliveira, o grande destaque desta 10ª edição. Pianista, compositora, precursora no Brasil em obras multimídia e a primeira mulher a ter uma ópera encenada no Theatro Municipal de São Paulo, a artista, com 84 anos, ganha uma releitura imagética com assinatura da artista visual e radiofônica Lilian Zaremba de duas de suas peças para voz e eletroacústica – La Loba e Naked Diva, respectivamente de 1995 e 1998 –, regravadas especialmente para o Novas Frequências no estúdio do LabSonica, o laboratório de experimentação sonora e musical do Oi Futuro.
O flerte do festival com outras linguagens artísticas, para além da música, é outro ponto alto da 10ª edição. Romancista e cineasta, João Paulo Cuenca vem realizando vídeos na quarentena baseados em entradas de um diário. Para o Novas Frequências, ele intensifica a experiência em uma peça audiovisual composta em parceria com o músico e compositor Barulhista. Doutrinada em templos batistas, a cantora evangelista, escritora, compositora e artista visual Ventura Profana tem seu corpo sonorizado, através de microfones de contato, pelo produtor musical e DJ Podeserdesligado. A dupla de artistas performers Irmãs Brasil projeta narrativas de diversas partes do mundo onde os direitos humanos são violados. Artista multimídia com passagens pela Bienal do Mercosul e Bienal de São Paulo, Thiago Rocha Pitta desenvolve, junto ao artista sonoro Paulo Dantas, um vídeo a partir de Abismo sobre Abismo, obra que avança sobre vista para precipício na cidade de Petrópolis. Um dos nomes mais incensados do teatro e cinema nacional nos últimos anos, Grace Passô cria uma imaginação sonora da peça radiofônica Para acabar com o julgamento de Deus, de Antonin Artaud, em parceria com os convidados Thelmo Cristovam, Maurício Badé e Barulhista. Mergulhada na noção de não-lugar de experiências diaspóricas, Ficção Sônica, título do trabalho de Grace, é uma construção conjunta do Novas Frequências com a 34ª Bienal de São Paulo: a obra nasce com a 10ª edição do festival e se re-configura como instalação sonora em setembro de 2021.
Outra parceria desta edição se dá com a Veneno, rádio e plataforma digital criada em São Paulo, em 2018, que traz seis de seus artistas residentes para criarem duplas e estimularem o diálogo entre as diferentes linguagens trabalhadas por cada um: Acaptcha x DESAMPA, Carla Boregas x Akin, ERAM x EPX.
A improvisação livre, a música ambiente e a música eletrônica, por motivos distintos, se manifestaram como algumas das práticas mais instigantes no ambiente da suspensão da atividade performática trazido pela pandemia. A música ambiente tem se destacado neste período da humanidade caracterizado pelo isolamento e pela ansiedade da incerteza, onde diversos artistas do gênero têm criado com a ideia de que ela é uma trilha adequada para um período em que tensão e ansiedade podem aflorar mais facilmente.
A dance music ou música eletrônica de pista talvez tenha sido a que mais soube se adaptar aos novos tempos pandêmicos — até porque, na verdade, “lives” e DJ sets em streaming já eram uma constante antes da pandemia e com o surto da Covid-19 só fizeram aumentar. Ainda assim, o Novas Frequências preferiu optar, seguindo o formato-conceito da 10ª edição, por outros vieses. Associadas às cenas de vogue e ballroom, Aya Ibeji e EVEHIVE propõem estudos ligados às danças performáticas e contemporâneas. Já Kakubo e Mexo buscam, cada um à sua maneira, encontrar a sua essência ou raio x, seja em relação a laços familiares, seja em relação à sua aura interior.
O Festival Novas Frequências é viabilizado com o patrocínio do Governo do Estado do Rio de Janeiro, da Secretaria de Cultura e Economia Criativa, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura e da empresa Oi, através da correalização do Centro Cultural Oi Futuro. Apoio institucional do ICAS – International Cities of Advanced Sound e da Abrafin. Realização: Outra Música.
Novas Frequências X (10 anos) – Programação
01/12 – 13/12
– Abenç0ada: viver no mundo exige que se dê partes de sua confiança as outres (BA)
– Camila Proto: Zonas de Escuta (RS)
– Luiza Schulz Vazquez x Celina Kuschnir: Trust the Wind (RJ/Áustria, RJ)
– Manuel Pessôa de Lima x Lola Lustosa: Análise de frequências (SP/DE, RJ/DE)
– May HD: Vinil (dest)ruído, distopia e quarentena (BA)
– Naves Cilíndricas: Tempo Real (CE/RJ)
– Tantão & Os Fita: Piorou/Samples (RJ)
01/12, 20h
– Jocy de Oliveira x Lilian Zaremba: La Loba e Naked Diva (PR/RJ, RJ)
– Irmãs Brasil: Pink (SP/RJ)
02/12, 20h
– MONASSTEREO x Pedro Sodré x Nathalia Cipriano: Yangui – Memória para o Futuro (BA/RJ, RJ/Estados Unidos, RJ)
– Renata Roman: Ou ver dentro (SP/Cuba)
03/12, 20h
– Deafkids: Código Pictorial (SP)
– Drendiela: Tempo circular (MG/DF)
04/12, 21h
– EVEHIVE x MAIWSI AYANA: Pito do Pango (RJ/SP, SP)
– Kakubo: LAYA:TAMESHIGIRI (Tempo: Teste de Corte) (PR/SP)
– Aya Ibeji: KWEEN (RJ/SP)
05/12, 21h
– Ventura Profana y Podeserdesligado: TRAQUEJOS PENTECOSTAIS PARA MATAR O SENHOR (BA/SP, RJ/SP)
– Tantão & Os Fita: Vídeo/Montagem/Piorou/Samples (RJ)
– Test: Confundir x Informar (SP)
– Mexo: rragrfrRrr (PB)
06/12, 17h
– Barulhista x J.P. Cuenca: Descarrego (MG/SP, RJ/SP)
– Marcela Lucatelli: Crise (SP/Dinamarca)
– b-Aluria: Xenoglossia (RJ)
– G. Paim: f̸ u̸ t̸ u̸ r̸ o̸ (MG/PR)
07/12, 19h
– Veneno x Novas Frequências: Acaptcha x DESAMPA (MG, SP) / Carla Boregas x Akin (SP, SP) / ERAM x EPX (RS, PE/SP)
08/12, 20h
– Paulo Vivacqua: música prescrita (ES/RJ)
– Sofia Galvão x Henrique Vaz: VIDA MORTE VIDA (PE/SP, PE)
09/12, 20h
– Cássio Figueiredo: Necrose Manifesto (RJ)
– MYMK: Gris (DF)
10/12, 20h
– Radio Diaspora x Paola Ribeiro: TRIGRAMA (SP)
– Marta Supernova: Na Era da redenção dos Unicórnios: possíveis sotaques, possíveis diásporas (RJ)
11/12, 20h
– O Grivo: Constelação (MG)
– Thessia Machado: everydayeveryday (PR/Estados Unidos)
– Flora Holderbaum x Marina Mapurunga x Nanati Francischini x Tânia Neiva: (In)fleXos (SC, CE/BA, SP, SP/PB)
12/12, 21h
– Negro Leo: Nenhuma Fantasia (MA/RJ/SP)
– Thiago Nassif: Reflexão (SP/RJ)
– MahalPita: M8TADATAH (BA)
– Isabel Nogueira: Estilhaço (RS)
13/12, 19h
– Grace Passô: Ficções Sônicas (MG)
– Paulo Dantas x Thiago Rocha Pitta: Silêncios, assim como as montanhas, serão consumidos pela vida (eventualmente) (RJ, MG/RJ)
– Fronte Violeta: CLARÃO (SP)
– Maya Dikstein: Treme (RJ/Israel)
Conversas
01/12, 19h Acendam os spotlights: uma conversa com Jocy de Oliveira Condução: Chico Dub
02/12, 19h Vozes do experimental: 10 depoimentos sobre a cena com CMC, Desmanche, Estranhas Ocupações, Frestas Telúricas, Kinobeat, Música Insólita, Noise Invade, Pequenas Sessões, Percurso Instalativo Sonoro, QTV
08/12, 19h Novas Frequências x Oi Futuro: o que passou e o que virá com Chico Dub e Luciana Adão
10/12, 18h30 Expatriadxs: produzindo arte fora do território nacional com Celina Kuschnir (AR), Manuel Pessôa de Lima (DE), Marcela Lucatelli (DK), Maya Dikstein (IL), Renata Roman (CU), Thessia Machado (US)
12/12, 18h Artaud e a encruzilhada: uma conversa entre Grace Passô e Ana Kiffer. Mediação: Chico Dub e Jacopo Crivelli Visconti
13/12, 18h A arte da terra e a arte do som uma discussão entre Thiago Rocha Pitta, Paulo Dantas e Fernanda Lopes
Curso
Novas Frequências I Novas Escutas: uma imersão pela arte sonora em 4 encontros, com Paulo Vivacqua, Fernando Iazzetta, Chico Dub e Daniela Avellar
05, 06, 12 e 13 de dezembro – 16h00 às 17h30
Aulas no Zoom
Contribuição consciente: 100 (mínimo) / 120 / 140. Clique aqui para acessar as inscrições.
Informações sobre bolsas: info@novasfrequencias.com
Novas Frequências I Novas Escutas é um curso de arte sonora ministrado em 4 aulas que podem ser acessadas de forma independente ou em conjunto.
Aula 1, Paulo Vivacqua: Uma breve história da música e sua relação com a arte sonora
05/12, 16h às17h30
“O cruzamento entre música e as artes plásticas, partindo de uma perspectiva própria sobre a história (onde discorro com alguns exemplos sobre alguns períodos e compositores correspondentes) abordando a construção da espacialidade na música e estabelecendo relação ao nosso tempo e a arte sonora, como uma das possíveis consequências dessa passagem.”
O artista Paulo Vivacqua possui formação em música e elabora seu trabalho a partir do cruzamento das linguagens sonora, visual e textual. Busca um território híbrido entre a materialidade e a sonoridade em instalações que se relacionam intrinsecamente com a arquitetura e os contextos dos ambientes em que são montadas.
Aula 2, Fernando Iazzetta: Histórias sonoras
06/12, 16h às17h30
“Nesta aula irei discutir a formação da arte sonora, a partir do que lembramos e do que esquecemos de contar sobre ela. A proposta é resgatar produções, eventos e ideias que ajudaram a configurar o que poderíamos chamar de arte sonora brasileira. Para isso vou relacionar trabalhos sonoros de diversas épocas com os contextos sociais e artísticos em que foram realizados. Com esse voo sobre repertórios, ideias e acontecimentos, pretendo sugerir como a nossa produção sonora tem se estabelecido a partir das múltiplas referências que reconhecemos, mas também por meio das inúmeras obras, artistas, eventos e movimentos que esquecemos”.
Fernando Iazzetta é professor titular na área de música e tecnologia do departamento de música da Universidade de São Paulo e coordenador do Laboratório de Acústica Musical e Informática (LAMI). Dirige o NuSom – Núcleo de Pesquisas em Sonologia da USP. Atua como compositor e performer com trabalhos que exploram o experimentalismo, a interatividade e recursos eletroacústicos.
Aula 3: Chico Dub: Sons inauditos
12/12, 16h às 17h30
Inaudito: 1. que jamais se ouviu soar ou de que nunca se escutou falar.
2. de que não há memória, de que não há exemplo; novo, desconhecido.
“Graças a implementos tecnológicos e partir do que alguns teóricos vêm batizando de virada sônica, isto é, a mudança gradual de foco do visual para o auditivo que vem ocorrendo nas práticas artísticas e nos estudos acadêmicos nos últimos anos, o mundo vem descobrindo e percebendo sons raros ou nunca antes escutados. Durante a fala, introduzo questões ligadas a ecologia acústica e as gravações de campo para chegar na prática da sonificação, o potencial do infrassom e do ultrassom para acessar zonas anômalas de transmissão, e eventos sonoros míticos e científicos.”
Chico Dub é curador com foco em música experimental, música de vanguarda e arte sonora. É curador do Festival Novas Frequências, gestor do Incidências Sonoras – plataforma de música experimental e arte sonora vinculada ao Coincidência, um programa de intercâmbios culturais entre a Suíça e América do Sul desenvolvido pelo instituto suíço Pro Helvetia – e membro do conselho consultivo da SIM (Semana Internacional de Música de São Paulo)
Aula 4: Daniela Avellar: Arte sonora não coclear e outras escutas
13/12, 16h às 17h30
“Uma arte sonora não-coclear, como defende o autor Seth Kim-Cohen, resulta da combinação das categorias positivas de ruído e fala. Dentro deste campo identificamos alguma dimensão linguística envolvida no funcionamento de produções sonoras em arte, quando estas tornam-se coisas para serem escutadas e também lidas. Ao mesmo tempo, o conceito nos conduz a uma discussão sobre trabalhos que se articulam com o domínio sonoro, mas não lidam propriamente com uma produção de ruídos vibratórios. Deste modo, o debate em torno de uma arte sonora não-coclear colabora em uma abertura profícua para discussões próprias do campo da arte, mas igualmente esbarra em problemas mais amplos, integrantes do mundo que nos ronda. Uma escuta não-coclear se deixa afetar pela interação do som com significados ontológicos, epistemológicos, sociais e políticos. Seria possível ‘re-escutar’ sons provenientes do terreno da arte sonora, a fim de repensá-los e ‘re-experienciá-los’ de acordo com tais considerações, de modo que possamos pensar e perceber por bases menos essencialistas, considerando uma perspectiva mais cética em relação aos sons se valerem por eles mesmos? Sendo assim, para além do gesto de escuta estar apoiado em uma posição específica, se trataria de uma escuta afinada com as urgências de nosso tempo?”
Daniela Avellar pesquisa, escreve, dá aulas e é DJ. Graduada em psicologia e mestre em estudos contemporâneos das artes pela Universidade Federal Fluminense, atualmente faz parte da coluna de crítica da Revista Desvio, é uma das propositoras de um grupo (Regrupo) de acompanhamento para artistas e ministra cursos voltados para arte, política e subjetividade (Políticas de escuta [2020], Da partitura à ação [CMAHO, 2020]).