A DRAMATURGIA DE MARCIO ABREU E SUA MAIS NOVA APOSTA NAS ARTES CÊNICAS
27/02/2015
Foto: Nana Moraes.
Ator e diretor carioca, tem sua formação pela EITALC (Escola Internacional de Teatro da América Latina e Caribe). É fundador e integrante da prestigiada Companhia Brasileira de Teatro, sediada em Curitiba, onde desenvolve suas pesquisas e seus processos criativos, em intercâmbio com artistas do Brasil e de outros países, especialmente a França. Em março, chega ao Oi Futuro Flamengo mais um importante trabalho de direção assinado por Marcio Abreu, o espetáculo Krum. Imperdível!
OF. Não é a primeira vez que você e a Companhia Brasileira de Teatro se unem à atriz Renata Sorrah. Fale sobre esta parceria.
MA. Krum é a nossa segunda criação juntos. A primeira foi Esta Criança, que estreou em 2012 e segue em repertório. Desde 2010, quando a Renata assistiu Vida, uma peça importante no repertório da companhia, nós começamos a nos aproximar e a construir uma relação sólida de trabalho e de amizade. A Renata é uma parceira da companhia. Temos projetos em longo prazo. É uma artista do teatro, disponível, inquieta, com uma sensibilidade rara, com repertório e cultura extraordinários. Uma grande atriz. Nosso encontro nos potencializa. Cada dia que encontro a Renata numa sala de ensaio – felizmente frequência – ou a vejo em cena reinventando o mundo no teatro, percebo que me torno melhor, como artista e como pessoa.
OF. Conte um pouco sobre o processo de criação de “Krum”.
MA. Nos últimos anos tenho tentado inventar processos que possibilitem novas relações com o tempo. Em geral percebo que o tempo linear, “comercial”, “eficaz” e “produtivo”, que começa no primeiro dia de ensaio e só termina no dia da estreia, sem curvas, pausas, mudanças de ritmo e de intensidade, não tem sido favorável à minha experiência de criação. E percebo isso em muitos outros artistas com os quais tenho a chance de trabalhar, não só na companhia, mas também fora dela. Em Krum pensamos o processo em três etapas, com intervalos entre elas. As pausas, os períodos de distanciamento, associados a períodos de ensaios radicalmente intensos e concentrados, fazem decantar o trabalho realizado, apuram a sensibilidade e o senso crítico e estimulam as ações em zonas de risco. São nove atores na nossa versão de Krum, além de outros artistas que colaboram na criação. Um equipe grande e uma grande equipe. É lindo quando estamos todos reunidos na sala de ensaio. Trabalhar com muita gente é um dos prazeres e desafios desta peça. A companhia brasileira é pequena. Esta é a nossa maior peça em relação ao número de profissionais envolvidos. Tem gente do Rio, de Curitiba, de São Paulo, de Belo Horizonte e de Florianópolis. É uma chance rara, sabemos disso. Conseguir organizar a agenda de toda essa gente e verticalizar um processo de criação que envolve adaptação de texto, leituras diversas, estudo de questões do nosso tempo como mediocridade, violência, humor, impotência, criação de cenas fora do texto, música, outras línguas, estruturas dramatúrgicas singulares, enfim, uma trabalheira em busca de uma radical simplicidade.
OF. Como é a relação dos atores com o texto do israelense Hanokh Levin?
MA. Os atores desta peça, Renata Sorrah, Grace Passô, Inez Viana, Cris Larin, Danilo Grangheia, Ranieri Gonzales, Rodrigo Bolzan, Edson Rocha e Rodrigo Ferrarini, têm o desafio de pensar uma história a partir de pessoas. O que está em jogo é a matéria humana. Krum tem, entre outras tantas qualidades, um olhar ao mesmo tempo cruel e generoso sobre vidas mínimas ou, como diria Tchekov, sobre o que existe de mínimo no ser humano. Habitam o mundo de Krum seres pequenos, sem pudor na palavra, vivendo sob um teto baixo e com a possibilidade de rirem de si mesmos. Não existem grandes feitos, tudo é ordinário. Como dar luz e contorno a isso e como percorrer uma estrutura irregular, que alterna cenas curtas e dialógicas a cenas coletivas e épicas, entre o lirismo e o humor patético e cruel, são algumas das prerrogativas que venho trabalhando com os atores. A relação com o texto tem sido vertical.
OF. Como surgiu o teatro em sua vida?
MA. Tenho a sorte de não me lembrar. O esquecimento é um tesouro. Há coisas que constituem uma pessoa. Não me lembro do que me constitui. Apenas sigo sendo algo daquilo que foi me formando ao longo do tempo. Posso apenas inventar uma memória de alguma coisa que acho que sou. O teatro sempre esteve para mim. As brincadeiras de criança já eram o teatro, imagino. Não me lembro de ter optado por essa profissão, mas apenas de ter seguido o fluxo das coisas.