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Entrevista com Ana Lúcia Pardo, atriz, jornalista e produtora cultural.

03/10/2016

Entrevista com Ana Lúcia Pardo, atriz, jornalista e produtora cultural.

Ana Lúcia Pardo sobre o Ciclo O Ato Criador: “O maior desafio é estar antenada com as questões que atravessam a vida humana no mundo contemporâneo”, relata a atriz, jornalista e produtora cultural, idealizadora e curadora dos concorridos encontros no Oi Futuro.

OF. Como você avalia os 10 anos do Ciclo Ato Criador?

ALP. Os ciclos vão além de um projeto, tornaram-se um programa de ações e reflexões continuadas. Um processo extremamente rico na medida em que envolve o compartilhamento com diferentes públicos, correntes e linhas de pensamento, temáticas, áreas, segmentos, formatos, procedências, países e territórios. Representa um importante laboratório de criação cujos desdobramentos e alcance escapam à mensuração formal.
Está no mundo. Em todo esse caldo que nos alimenta, nos move e nos faz continuar a caminhada, o que me dá real sentido é acreditar no potencial de transformação humana, sobretudo pela via da arte e da cultura. Na resistência e existência de criadores, trabalhadores da cultura que me inspiram e dão o verdadeiro sentido para continuar na estrada. Criadores que fazem comigo este ciclo, criadores da gestão artístico-cultural, com seus apoios, patrocínios e parcerias. Criadores que se deslocam de suas casas ou locais de estudo e trabalho em resposta ao nosso convite para o encontro. Sem esses criadores, e instigada por uma imensa vontade de transformar o mundo, de fato nada faria sentido. O Ato Criador é, como disse Ariane Mnouchkine, diretora do Théatre du Soleil, um ato transformador.

OF. Coordenar e assinar a curadoria de um encontro com convidados nacionais e internacionais não é uma tarefa fácil. Conte-nos sobre esse processo de criação.

ALP. O maior desafio do processo de criação dos ciclos é estar antenada com as questões que atravessam a vida humana no mundo contemporâneo, nos campos social, ambiental, cultural, econômico, político, artístico. Isso requer muita leitura, pesquisa, observação e formulação para se chegar a um conceito, proposta, ideia, tema central, que de fato faça algum sentido para a sociedade. Depois, implica fazer estudos e escolhas para reunir teóricos, artistas e gestores de áreas e setores diversos, – sejam eles criadores jovens ou mais antigos, – e criar subtemas e atividades que dialoguem com a ideia central. Uma vez desenhado o escopo da proposta, passamos a encarar outro grande desafio: viabilizar o que foi desenhado, seja do ponto de vista orçamentário na busca de apoios e parcerias, seja de obter respostas positivas por parte dos convidados que almejamos. E ainda, nos depararmos com aquele instante em que se prepara um banquete com muitos pratos e especiarias, para ser degustado, digerido, revisto ou reinventado, e se aguarda ansiosamente se haverá o aceite do Respeitável Público. Será que virá alguém para o jantar? Espero sempre ansiosa por este momento da presença e do compartilhamento, sem o qual não existe de fato o encontro, senão a intenção de encontrar. E por fim, busco exercitar o desapego para refazer, desfazer, substituir e recuar diante da escuta que faço com muitos pares, sobretudo com os criadores dessa equipe que fazem a roda girar e o ciclo de fato acontecer.

OF. Em 2015, o Ciclo discutiu a experiência criativa como potencial transformador de processos e territórios, suas fronteiras e inter-relações com a vida em sociedade. Na edição 2016, o tema é “Outros Possíveis”. O que será proposto agora?

ALP. Com “Outros Possíveis”, buscamos apontar, a partir dos estudos e práticas dos criadores, novos caminhos de transformação no mundo. Nossa inquietação maior é que estamos diante do esgotamento de um modelo de desenvolvimento que está aniquilando o planeta por inteiro, em todas as dimensões humanas, – sejam elas ambientais, sociais, culturais, artísticas, políticas, econômicas, comunicacionais, – aniquilando por completo todos os seres vivos. Um mundo em convulsão. Em que o único valor existencial passou a ser o consumo e as pessoas viraram paródias de si mesmas, autores e vítimas complacentes de uma “autoencenação” constante. Estimuladas ao hiperconsumo, às disputas de protagonismo, de hegemonias, de narrativas, de espaços de poder, de guerras culturais, de migrações por conflitos ou climáticas, deixando milhões mortos ou desabrigados. Esse é o mundo que queremos? Mas é justamente do impossível é que precisamos criar os possíveis. Com isso, somos obrigados a rever que sistema é esse de convivência no planeta. Isso implica em uma mudança radical de comportamento individual e coletivo. E quem são os atores e autores desse processo senão nós mesmos?

OF. Quais seriam os possíveis caminhos da transformação neste mundo em que vivemos hoje?

ALP. “Outros Possíveis” pressupõe a emergência de novas ideias, concepções e alternativas que exigirá de todos nós criar um processo de transformação do mundo. Se, na condição de inventores, temos condição de produzir o inesperado, as mutações, o novo, criar saídas, caminhos; abrir atalhos; encontrar soluções e novos arranjos de ideias e conceitos, o que verdadeiramente estamos fazendo com toda essa potência de criação? Que estratégias iremos recorrer para promover a mudança? É preciso que esse mundo dado contenha “o possível”. Não basta crer em nós mesmos, é preciso crer no mundo que se apresenta diante de nós. É preciso que o mundo nos seja dado uma segunda vez, para nele estabelecermos novas significações. Por esse motivo, estaremos colocando também em debate o tema do corpo como uma das dimensões onde cremos que se concentram todos os componentes desse modelo civilizatório da chamada pós-modernidade, ressignificando as marcas e cicatrizes deixadas nesse corpo-território. Como um laboratório corporal que começa por uma descolonização da expressão. Mergulhar na etimologia da palavra cultura que está ligada à agricultura, ao culto. Que nova cultura política, cultura democrática, cultura da paz, cultura do meio ambiente podemos construir? Passa fundamentalmente por uma Reforma Cultural. Superar o individualismo e agir coletivamente. Não se trata de só sonhar com um mundo melhor, mas lutar por ele.

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