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Favela Sounds: reverência à produção periférica

29/11/2018

Favela Sounds: reverência à produção periférica

O Favela Sounds é o primeiro e maior festival do Brasil a tratar das periferias. A iniciativa, que leva ao palco vários artistas de estilos musicais diferentes, tem sua curadoria musical e coordenação geral assinadas porGuilherme Tavares e Amanda Bittar. Confira a entrevista que fizemos com os realizadores e conheça mais sobre o festival que tem na transformação social e no empoderamento seu maior legado.

OF. Se você pudesse explicar o festival para alguém que nunca foi, o que você diria?

GT. ‘Favela Sounds’ é a primeira e hoje maior articulação entre a cultura de periferia brasileira e os territórios periféricos do mundo. O festival propõe trocas culturais entre artistas das mais distintas periferias do Brasil, misturando estilos e tendências musicais das favelas do país, com a presença de grandes artistas originários de África e América Latina, ou artistas que vivem em territórios desenvolvidos, mas carregam em seus trabalhos as estéticas da diáspora. O Favela Sounds conta com quatro braços estruturantes para sua realização: oficinas nas quebradas do DF, debates em escolas públicas, atividades nas unidades do sistema sócio-educativo do DF (para menores em privação de liberdade) e dois dias de Baile, com cerca de 26 shows nesta terceira edição e transporte gratuito indo e voltando de dez diferentes RAs do DF. Importante dizer que todas as atividades do evento são gratuitas e que, só em 2017, o evento levou cerca de 23 mil pessoas a conhecer a inovadora programação do festival.

OF. Como o festival contribui com novas propostas que envolvem inovação e criatividade

AB. Por termos um compromisso grande em relação à capacitação de jovens periféricos à profissionalização para atuar no mercado cultural, é nas oficinas e nos debates que podemos perceber a transformação a que o festival se propõe. Durante uma semana, facilitadores das mais diversas áreas culturais conduzem uma formação no campo da cultura em trabalho coletivo, o que abre espaço amplo para a criatividade entre a juventude periférica. Já tivemos as mais diversas oficinas do metiê cultural e, em 2018, chegamos com atividades sobre cenografia, produção de faixas autorais em baixo orçamento, percussão e empreendedorismo na quebrada. Para darmos um exemplo, em 2016 o grupo África Tática surgiu na oficina de rima. No ano seguinte, eles já se apresentavam em nosso palco, além de terem participado de uma oficina de Comunicação e Mídia, ministrada pelo NAVE/Oi Futuro. Na oportunidade, eles puderam criar a identidade visual da banda. Hoje, o grupo tem agenda dentro e fora do DF. Outro exemplo foi a criação de um produto que mescla turbante e viseira, desenvolvido em oficina de Moda do festival, que tornou-se fonte de renda para a instituição que recebeu a oficina.

OF. Qual o legado que o evento deixa para o público? O que ele vislumbra?

GT. Possibilitar que as pautas das periferias ganhem espaço no centro político do país é o primeiro e maior interesse do Favela Sounds. O evento caminha na contramão do notável descaso com temas que tangem as minorias no Brasil, atribuindo voz em nível nacional aos discursos empoderados que invadem o palco do festival. A transformação social e o empoderamento de minorias são o maior legado que Favela Sounds deixa ao público periférico do Distrito Federal. Falando especificamente do assunto música, a curadoria do evento é conhecida nacionalmente por sua ousadia e pela mistura de linguagens e estéticas vindouras da música brasileira. Muitos dos artistas que hoje têm visibilidade e grande circulação pelo país tiveram suas estreias em festivais no Favela Sounds. Este é um fato que hoje é o termômetro do nosso line-up e que nos dá muita alegria em programar o evento. E este não é um mérito nosso, dos realizadores do Favela Sounds. É um mérito das periferias brasileiras! Elas são o norte de nossas tendências culturais. São elas quem pautam a estética do futuro do país e, sem exageros, os agentes culturais periféricos são aqueles que têm maior potência de invasão dos dials mundo afora atualmente.

OF. O Favela Sounds vai além do momento de sua realização. Tem uma forte relação com artistas locais e fomenta a troca de conhecimentos e informações. Quais desdobramentos de interação com o público o evento proporciona?

AB. Além da etapa de shows, o evento conta com oficinas de formação no campo da cultura em espaços culturais independentes nas quebradas do Distrito Federal, debates empoderados em escolas públicas em regiões de alta vulnerabilidade social, além de atividades em Unidades do Sistema Sócio-Educativo do DF, quando o Favela Sounds promove encontros calcados no hip hop com jovens em privação de liberdade. Tais atividades são os desdobramentos que julgamos fundamentais para o público que envolvemos todos os anos e, principalmente, são estes os espaços onde a cultura pode mostrar seu aspecto mais genuíno: o de transformação.

OF. A partir do posicionamento de valorização da cultura periférica, como o festival estimula o debate e reforça os seus valores através dos conteúdos explorados na programação?

GT. Acreditamos que a reparação da abissal e histórica diferença de classes no Brasil só poderá se dar pela aproximação, o reconhecimento e o respeito ao lugares de fala de cada minoria. Para além das atividades já comentadas que são braços constituintes da atuação do Favela Sounds, é importante dizer que a realização deste encontro de culturas e estéticas periféricas já se torna o grande estímulo ao debate e à troca. Depois de uma maratona de shows com as maiores referências da cultura periférica do país e algumas do planeta, os jovens saem do evento com vontade redobrada de serem, eles mesmos, a mudança de suas realidades, e uma proposta de futuro mais igualitário ao país. O primeiro incentivador do Favela Sounds foi Mr. Catra, que nos deixou este ano. Em 2013, apresentamos o projeto ainda embrionário a ele e o mesmo nos comentou da urgência em se propor uma mistura entre linguagens das quebradas, para que os mais diversos interlocutores pudessem entender o som que é produzido por pessoas que sofrem problemas similares, em locais geograficamente distintos. Mr. Catra não pôde participar de nenhuma edição do festival e, em 2018, dedicamos a realização do evento à sua memória.

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