João Bandeira: “O que interessa é que as pessoas possam se aproximar dos meus trabalhos”.
28/01/2016
João Bandeira: “O que interessa é que as pessoas possam se aproximar dos meus trabalhos, em qualquer suporte, estabelecendo relações com eles livremente”.
Poeta carioca multimídia radicado em São Paulo abre o Programa Poesia Visual em 2016, com trabalhos visuais em diversos suportes, como fotografia, serigrafia, vídeo, instalação, e ainda poemas do seu novo livro “Quem Quando Queira”. Não perca a exposição “O Princípio é o Meio”, uma das atrações do Oi Futuro em Ipanema.
OF. Desde 1980, você lida com palavras, imagens e sons em diversos meios. Fale um pouco sobre o lado multimídia do seu trabalho.
JB. Embora estivesse ligado ao mundo da escrita e da literatura em geral desde criança, estudei música e com ela tive minha primeira atuação profissional, que se estendeu por vários anos. A certa altura, passei a estudar também história das artes visuais por minha conta. E, ao mesmo tempo, pertenço àquelas gerações nascidas no século XX que cresceram no ambiente multimídia da chamada cultura de massas e sua avalanche de imagens, mas também de sons e de textos. Quando comecei a publicar meus poemas – visuais inclusive – tinha essa formação que chegou por muitas vias até mim, como praticamente a toda e qualquer pessoa dos grandes centros urbanos. Mantendo o “pé de apoio” no universo das palavras, fiz uso dessa formação variada no meu trabalho, daí que ele se manifeste em muitos meios: fotografia, vídeo, gravura, instalação etc., além, é claro, de poemas no papel, oralizados em performances e até em letras de música. Mas quase todo artista contemporâneo é multimídia. O contrário é que seria estranho, dado o ambiente informacional em que estamos imersos.
OF. O que você espera do público que visita a exposição “O Princípio é o Meio”?
JB. Como indica o texto da curadoria, cada tipo de trabalho mostrado na exposição – texto na parede, fotografia, gravura e desenho, relevo, vídeo – procura oferecer uma experiência particular ao visitante. Ao mesmo tempo, apesar das diferenças evidentes, talvez todos compartilhem algumas coisas, além do fato de lidarem todos com palavras, ou de elas se manterem ao menos no horizonte. Para mim, como autor, o que orienta as opções adotadas nos trabalhos são os próprios suportes fisícos em que foram realizados e as convenções de uso que, por assim dizer, eles carregam. Espero que os visitantes possam reparar nessas coisas. Mas o que interessa é que aqueles que se aproximem dos trabalhos, em qualquer meio, possam estabelecer relações com eles livremente: “quem quando queira”, lembrando essa expressão que é o título do meu livro lançado recentemente.
OF. Como você vê a Poesia Visual no Brasil?
JB. Na nossa tradição de poesia, grosso modo ainda bastante ligada ao que culturalmente poderia ser chamado de tronco greco-latino-judaico-cristão, existe a exploração da visualidade da escrita e seus suportes desde a Antiguidade, embora como exceção à regra, na contramão de todos os receituários poéticos que se sucederam desde então. Símias de Rodes, um poeta grego mais ou menos da época de Aristóteles já fazia, por exemplo, experiências desse tipo. Mas no Brasil, os poetas que lançam mão da visualidade em seu trabalho são filhos principalmente das vanguardas artísticas europeias de inícios do séc XX e da poesia e da arte concreta feitas em São Paulo, entre os anos 1950 e 60 (que, como aquelas, estavam atentas aos modos e meios da cultura de massas), e, em menor escala, da arte neoconcreta desenvolvida no Rio de Janeiro. De lá para cá, muitas ramificações foram se criando. Outros influxos foram se agregando a essa indisciplinada mas extensa tradição. Só mais recentemente começamos a dar mais atenção a tradições de poesia e de visualidade africanas e ameríndias que, por razões óbvias, deveriam constituir também o nosso repertório. Demorou, como dizem. Cada poeta ou grupo de poetas se vira com tudo isso como quer – e como pode. Acho que, entre nós, a vitalidade dessa prática a que chamamos “poesia visual” vem se afirmando cada vez mais, na medida mesma em que insiste na sua característica indisciplinada. Não vejo vantagens em proteger demais a exploração da visualidade em poesia como sendo mais um gênero poético muito específico (em termos comparativos, a poesia verbal, sim, é necessariamente uma linguagem mais especializada). A meu ver, dadas as condições atuais, é melhor que a “poesia visual” se imiscua no amplo universo da arte contemporânea.
OF. Quais as suas principais referências, dentro da própria poesia e entre os artistas visuais?
JB. Como não poderia deixar de ser, tenho um grande interesse na produção de uma série de poetas e artistas anteriores a mim (e em obras específicas de outros tantos) do Brasil e do exterior. Para alguns exemplos: Emily Dickinson, E. E. Cummings, William Carlos Williams, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Joan Brossa, Augusto de Campos, Antonio Cicero, mas também Kurt Schwitters, Marcel Broodthaers, Robert Rauschenberg, Geraldo de Barros, Mira Schendel, Antonio Dias, Cildo Meireles, Waltercio Caldas e outros. E não só na poesia e nas artes plásticas. Também na música – sobretudo a nossa incrível tradição de música popular – e no cinema, ou no áudio-visual, para usar um termo mais atualizado. Se fosse enumerar todas as minhas afinidades eletivas a lista seria significativamente extensa. Ao mesmo tempo, é claro que alguns de meus contemporâneos, companheiros de geração, são muito importantes como interlocutores reais ou virtuais. Procuro prestar atenção no que eles estão fazendo.
OF. Você tem canções em parceria com Arnaldo Antunes, Paulo Tatit e Alice Ruiz. Conte-nos um pouco sobre o João Bandeira, músico e compositor.
JB. Como disse, fui músico profissional – compondo, tocando e cantando. Principalmente ao longo dos anos 1990. Desde então, continuo compondo canções, embora de modo intermitente, às vezes com parceiros incríveis como estes que você citou. Não sei se vai dar tempo, mas tenho vontade de voltar a trabalhar mais com música.