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Julianna Sá e sua intensa pesquisa na música brasileira contemporânea

01/03/2017

Julianna Sá e sua intensa pesquisa na música brasileira contemporânea

Jornalista e produtora, foi durante três anos a curadora e roteirista do “Faro MPB”, na Rádio MPB FM. Em 2013, deu início à Dobra – comunicação e outros desdobramentos, onde desenvolveu  o Festival Dobradinhas e Outros Tais, que acumula três temporadas, e o Festival Circuladô. Também atuou na Babilônia Feira Hype e, junto com os produtores Qinho, Thiago Vedova e Bernardo Mattos, responsável pelo “Rio Música Contemporânea”, projeto que ocupou o Imperator. Atualmente, produz e apresenta o programa Radar – ao lado de Jorge Lz -, na Rádio Roquette Pinto. Agora, leva ao Oi Futuro Ipanema a primeira edição do “Super Violão Mashup”.

OF. O “Super Violão Mashup” traz como proposta repensar a canção, a partir de sua desconstrução e remontagem. Como surgiu a ideia de levar este projeto no Oi Futuro e o que o público vai encontrar de novidade no palco?

JS. O “Super Violão Mashup” – cujo nome é homônimo à uma canção do Lucas Santtana, que abre o projeto – foi um projeto que pensei especificamente para o Oi Futuro. Adoro o “Sem Nostalgia”, quarto disco do Lucas, e sempre me instigou muito o processo que ele usou pra gravar o disco, partindo do violão, mas entortando o formato. Recentemente, ouvindo novamente o disco, achei que faria sentido resgatar esse processo num formato que acredito muito, o da troca. E, mais ainda, ao vivo. Então convidei seis artistas que admiro, e cujas canções guardam potências mesmo desconstruídas, mesmo levadas novamente para o violão – onde originalmente surgiram -, e outros seis produtores para recriarem, em dupla, esses arranjos. É uma experimentação a partir do encontro. Então, nesse sentido, o público vai encontrar algo totalmente novo, inédito. Não será o show de um, ou de outro, mas uma apresentação resultante dessa troca, da conjugação desses artistas quando postos um ao lado do outro.

OF. Você tem um programa de rádio e acaba de realizar o projeto Circuladô, reativando coretos em praças públicas do Rio, com shows de música. Conte-nos um pouco sobre esta iniciativa.

JS. Poder estar no rádio, hoje – em 2017, no contexto que vivemos – é um privilégio, e mais ainda pelo formato solto que o Jorge Lz e eu conseguimos imprimir ao Radar. Tentamos criar costuras entre o que é lançado hoje e o que se consagrou na história da nossa música sem marcações fundas dessas diferenças, tentando entender a ideia de novo de uma forma menos emprateleirada, e acho que conseguimos chegar a um resultado bacana, que permite circular a criação contemporânea sem precisar tratá-la como uma espécie de gênero impopular, como de alguma forma a ideia de “independente” esteve associada por algum tempo. Nesse sentido, é possível falar também do Festival Circuladô, que é um projeto desenvolvido a muitas mãos – pude construí-lo ao lado de pessoas que também vem pensando maneiras de articular melhor a cena musical e a cidade, como o Philippe Baptiste, o Gregório Tavares, o Brunno Monteiro, a Mariana Borgherth, entre outros amigos e parceiros nessa empreitada. É uma iniciativa simples, mas de uma realização muito potente. O que fizemos foi mapear coretos da cidade do Rio e levar até eles uma programação diversa. A realização dele, no entanto, nos trouxe muitas camadas, indo desde a compreensão da cidade, que é repensada quando montamos um circuito que inclui bairros do Centro, da Zona Norte e da Zona Oeste, até a ideia de canção popular, que é questionada quando levamos nomes que pouco circulam, mas que na rua tem um forte apelo de público, o que mostra que não se trata de uma produção hermética, ou numa leitura limitada, elitizada. Se trata de canção, em variadas formas, a partir de artistas que estão criando ela hoje, em seu próprio tempo.

OF. Como você avalia o atual momento da cena contemporânea musical brasileira e, em especial, da carioca?

JS. Acho que eu choveria no molhado se sublinhasse que nossa produção hoje é riquíssima, extremamente diversa e inventiva. Há alguns bons anos a gente observa – e o Oi Futuro é palco de muitas delas – iniciativas que apontam para uma produção contemporânea excepcional. O que acredito que precisa ser olhado com maior carinho é o modelo que estamos usando para difundir essa música. Caímos, muitas vezes, no erro de reproduzir modelos que consagraram artistas durante o auge da indústria, quando a distribuição e difusão da música tinham um outro campo para atuar. Reinventamos as mídias, reinventamos a própria música, mas ainda temos dificuldades de reinventar os modelos de trabalho, o que por vezes nos limita a criar novos fenômenos, tal qual a indústria fazia, mas a reforçar um formato exclusivo, onde poucos conseguem viver do que fazem, apesar de muitos estarem criando.

OF. Mesmo que o cenário cultural nos dias de hoje não seja dos mais animadores, sob o ponto de vista do mercado, o que os produtores e artistas poderão fazer para reverter esse processo?

JS. Não é fácil atuar de maneira independente num cenário como o que temos hoje. Por isso, em geral, prefiro pensar no conceito de interdependência, onde é preciso articular mais para viabilizar o trabalho. Costumo brincar que meu disco arranhou de um lado na faixa do encontro, da troca, e do outro na faixa da circulação. Acredito que são os principais caminhos pra gente consolidar, no campo da oferta e da demanda, essa cena cultural da qual falamos. Viabilizar cruzamentos artísticos ajuda a pensarmos e renovarmos estéticas, garante a efervescência produtiva, promove a troca até mesmo de público, e consequentemente sua ampliação. E circular, bom, circular é a chave mestra, capaz de abrir mais de uma porta numa única virada. Se por um lado ela permite ao artista expandir o alcance de seu trabalho, por outro, garante também um legado local, uma rota para outros artistas passarem, mas ainda mais uma rota que se aproxima do público, que ajuda ele a identificar onde é possível presenciar a cultura viva, ativa, acontecendo e se renovando.

OF. Ultimamente, alguns eventos passaram a agregar outros elementos à música, até mesmo para ampliar o interesse do público. Como você vê o diálogo entre as mais diversas artes dentro da cena independente?

JS. Acredito muito no diálogo como forma de solidificar manifestações artísticas. No caso da música, acho importantíssimo que possamos observá-la – e vivenciá-la – de maneira expandida, conectada com outras manifestações artísticas. O novo, no meu entendimento, mora nesses encontros, nesses atravessamentos que a canção é capaz de abrigar, e a partir deles se reinventar. Hoje, muitas vezes a música  já surge complementada, viva justamente quando compreendida não somente através do som, mas da imagem, de outros registros. Muitos artistas já apresentam seus trabalhos nesse mix fluido de linguagens, então creio que esse diálogo no palco seja natural, um reflexo da produção atual. No Super Violão a luz, por exemplo – que é assinada pelo Alessandro Boschini – é também cenário essencial para comunicar o encontro musical que se dará no palco. Ela será uma expressão real da troca que acontecerá entre os artistas.

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