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Papo de Futuro: “Arte é uma maneira de se sensibilizar e de viver a vida”

28/05/2020

Papo de Futuro: “Arte é uma maneira de se sensibilizar e de viver a vida”

Em tempos de total isolamento, a conectividade tem cumprido um papel fundamental para informar, entreter e construir pontes de afeto.  No campo das artes, vivemos uma série de experiências virtuais, abrindo novas janelas na forma de ver, ouvir, criar, interagir, ou melhor, ressignificar nossos novos tempos. Designer gráfico, parceiro histórico do Oi Futuro em diversos projetos que exploram novas fronteiras da arte e tecnologia, como o Festival Multipliciade, Batman Zavareze refletiu sobre  “Como a arte pode nos mover adiante”, durante o nono webinar da série “Papo de Futuro”, organizada pelo Oi Futuro e transmitida toda quarta-feira, às 19h, pelo canal do Instituto no Youtube.

No encontro virtual mediado por Roberto Guimarães, gerente de Cultura do Oi Futuro, Batman observou que a série Oi Futuro Agora, em comemoração aos 15 anos do Centro Cultural, já no terceiro de seus 16 episódios, fala do presente, do passado e do futuro, e exibiu um teaser que mostra conceitos como o do curador e diretor artístico Marcello Dantas, “O futuro de toda a tecnologia é se tornar invisível”, e da artista visual Bia Lessa: “O que é lindo da arte é que a arte é liberdade”.  Batman Zavareze discutiu o papel da arte na construção de novos futuros, a partir das pistas deixadas pelos artistas entrevistados e se abriu: “Qualquer trabalho que eu fale aqui, pode ter certeza que eu joguei todo o meu tempo afetuoso para afetar e ser afetado”.

Confira abaixo um resumo do webinar:

1)Sobre Batman Zavareze:

Carioca, 47 anos, casado, dois filhos, ‘ser humano, africano, indígena, inquieto, curioso’. E, nos últimos 28 anos, ‘mordido por essa zona híbrida que é trabalhar com coletivos e multiplicidade’. “Quando faço um show, uma peça de teatro ou qualquer outra coisa, fico atravessado por várias linguagens”.

2)Do lápis e papel às novas ferramentas

Quando ingressou na faculdade, em 1991, imaginou que iria desenhar. Era proibido usar o computador. Design era para especialistas. Quando se formou, era para artistas multidisciplinares, e o computador, obrigatório. Nesse momento, entendeu que se encontrava dentro de uma revolução que se passava pelas novas ferramentas computacionais. Tudo isso o seduziu, pois foi criado com todos os elementos analógicos e mais artesanais possíveis da tesoura, do lápis e, também, do início do videogame. Já no final dos anos 90, na Europa, ao trabalhar na Fabrica, um centro internacional de artes e pesquisa em comunicação, escutou do consagrado fotógrafo italiano Oliviero Toscani, que o futuro das novas profissões passava por trabalhos coletivos multidisciplinares. Daí, registrou pela primeira vez a palavra multiplicidade.

3)A relação entre arte e tecnologia

Conheceu o Oi Futuro antes de se tornar um centro cultural. Começou por projetos que já flertavam com uma variedade de conhecimentos, como o Oi Kabum!. Depois, quando propôs ao Instituto ‘um mergulho no precipício’, não sabia explicar mais do que um parágrafo do que seria o Multiplicidade. Era ainda uma cultura individualista e determinante, a “do it yourself” (faça você mesmo). Durante um festival na Inglaterra, um engenheiro lhe propôs um projeto, afirmando que a contribuição artística que ele poderia dar seria através da engenharia. A partir daí, surgiu  uma nova camada dentro do Festival Multiplicidade, as coisas se ampliaram: as regras e a própria compreensão, usando a frase do Tom Zé “eu estou te explicando para te confundir”.  Arto Lindsay, o primeiro artista a participar, não quis usar projeção. “Vi que ali era o primeiro passo de uma ruptura”. E isso foi determinante para desconstruir tanto na curadoria, como, também, para encorajar uma série de artistas. Vivíamos um momento em que teatro era teatro, cinema era cinema. Hoje, como disse Cao Guimarães, “tenho saudades de quando eu vivia no limbo. Quando os artistas plásticos me chamavam de cineasta e os cineastas me chamavam de artista”.

4)O tempo faz a diferença

Batman cita uma frase da diretora executiva do Oi Futuro, Sara Crosman, “Uma trajetória começa no primeiro passo”, e reconhece: o Festival Multiplicidade, por onde já passaram 912 artistas, é como se eu estivesse fazendo um mestrado há 15 anos. O show da Marisa Monte, em 2012, por exemplo, rendeu seis meses de trabalho. Essa relação com o tempo é determinante para criar memórias que irão ficar permanentes na sua vida e na de outras pessoas. “Falo de afeto, de afetar e ser afetado.” Ele leu um trecho do escritor Ítalo Calvino, em sua obra “Seis propostas para o próximo milênio”, que aborda a relação do tempo, e de onde surgiu a palavra ‘multiplicidade’. Em seu trabalho durante as últimas Olimpíadas, reconhece o pouco tempo que teve para realizá-lo. Fica emocionado com os Tribalhistas, por ter cumprido um papel visual, envolvendo os três grandes da música popular. Em alguns shows, registraram 45 mil pessoas na plateia. Contava a história do Brasil, dialogando com a música.

5)Além dos recursos tecnológicos

Uma regra. Quando trabalha com teatro, não assiste teatro. Tenta beber em outras fontes, até para poder colaborar e sair um pouco da bolha. Quando realizei o espetáculo “Por que não vivemos”, com o diretor Márcio Abreu e a Companhia Brasileira de Teatro, já encenado no Centro Cultural Oi Futuro, a minha contribuição, o que eu poderia entregar, era um filme. Nesse momento, comecei a entrar em pesquisas cinematográficas. No meu dia a dia, tento buscar, tanto no teatro, como no cinema, nas performances, na dança, na música clássica, alguém que ultrapasse um pouco da fronteira das linguagens. Sou curioso. Eu me seduzo e quando assisto algo que eu gosto, eu volto e vejo várias vezes. Eu não me furto de tentar, mesmo que flerte com o fracasso. Modestamente, ele confessa: “A minha lista do que as pessoas consideram um sucesso são recheadas de fracassos”.

6)O espectador mudou?

Estudei, fui estagiário, assistente por quase dez anos e era fã de algumas pessoas. Queria muito trabalhar com o Gringo Cardia porque ele é arquiteto, mas fazia um design gráfico, o videoclipe, um artista multidisciplinar. Depois, quis trabalhar com a Bia Lessa e fui buscando aqueles que iriam me complementar e me encorajar para, talvez, me formar no que eu sou hoje. Eu lia manual de tudo. Acho que a nova geração que trabalha com as mesmas coisas que eu tem uma relação muito mais efêmera. As coisas têm vida, como nós, tudo tem um tempo, mas considero uma crueldade quando alguém afirma, com tanta categoria, que aquilo morreu. Claro que não vou entrar em um conflito de gerações, mas algumas coisas são permanentes. E essa compreensão, essa simultaneidade, essa camada que a gente vai acumulando, nós vamos carregar. Acredito numa coisa um pouco mais etérea para se construir a nossa relação com a arte.

7)A curadoria no show dos 30 anos dos Paralamas

Após o show da Marisa Monte, em 2012, que contou com muitos recursos, Batman recebeu inúmeras solicitações do show business brasileiro. Sobre os Paralamas, seu objetivo não era fazer o ‘show dos 30 anos da banda’, mas, sim, ‘o show da sua vida’, quando dançou com a turma de amigos, aos 14 anos. “Ali, eu tive liberdade para pedir coisas que eles não abriam há muito tempo”. Como, por exemplo, pedir ao Maurício Valadares o negativo que ele não havia revelado. Assim, em dois meses, desenvolveram um núcleo de arquivo, que contou com uma pesquisa de engenheiros, na parte de eletrônica, e com uma bibliotecária, que os alimentava diariamente com informações. Uma espécie de espinha dorsal para montar o quebra-cabeça. Batman tem uma máxima, aprendida no teatro, que resume a maneira como encara todos os seus trabalhos: “Só termina quando a gente abre a cortina, estreia para o público”. E mais: “Procuro fazer o meu melhor, até o que é impossível. E essa palavra é a que mais me motiva”.

8)A resposta dos artistas na série Oi Futuro Agora

Batman começou a provocar a equipe de Cultura do Oi Futuro: “Como um centro cultural, nos tempos de isolamento, vai se apresentar vivo”? Assim, a conversa com os 15 artistas selecionados gerou em torno da frase: vamos mexer num passado, sem nostalgia. Isso porque esses artistas estavam muito à frente do seu tempo. Fernanda Montenegro, quando lê Simone de Beauvoir, dirigida por Felipe Hirsch, na peça “Vivendo em tempos mortos”, é mais atual do que nunca. Então, as conversas têm sido muito iluminadas. Batman recorreu a uma frase do livro “Imaginação – Reinventando a cultura”, da Marta Porto: “Eu vou deixar a realidade para quem não tem imaginação”. E confessa: “Venho abrindo um diálogo com esses grandes da cultura. E o que eles têm me causado? Choro, riso, estou me autoconhecendo. A série, através de um movimento ousado que o Centro Cultural teve ao longo de seus 15 anos, dá uma contribuição para os futuros possíveis. Quando escutamos o Peter Greenaway, que será o próximo convidado, ou a Renata Sorrah, constatamos que são mais atuais do que nunca”.

9)Por que a arte nos move adiante?

Essa questão surgiu em setembro de 2019, ao longo do Festival Multiplicidade. Perguntamos ao público e quando nos deparamos com um repertório de quase 200 respostas, uma troca muito grande de interpretações e contribuições, percebi que a indagação tem uma continuidade que não é finita. O momento atual promove uma incerteza. Precisamos criar muito mais questionamentos. Como disse Arnaldo Antunes no primeiro episódio da série: “Não são respostas que vão atender a essa pergunta. Temos que criar um somatório de perguntas para, de uma certa maneira, compreender essa resposta”. Arte é uma maneira de se sensibilizar e de viver a vida. Tem que ter uma válvula de escape. Entender culturalmente quem somos vai fazer toda a diferença. No atual momento que estamos vivendo, não podemos parar de caminhar. E vamos responder a tudo isso com luz e afeto!

10)O trabalho com a formação dos jovens

Trabalhar com jovens da periferia é uma sedução que basta você começar. Primeiro porque tem uma urgência; segundo porque, historicamente, a melhor maneira de nos recebermos carinho é compartilhar. Eu vinha de quase dois anos na Itália, vivendo uma experiência única, e ouvi do Toscani: “Quem tem um olho em terra de rei é caolho. Compartilhe seus conhecimentos”. Aquilo me marcou tão profundamente e o primeiro lugar que me abrigou, que me deu voz, foi um projeto social, onde pude trocar e aprender, o Kabum!, uma escola que usa a inclusão digital para criar uma revolução e trazer uma emergência de novos atores. A partir dali, comecei a me envolver com a Maré e outros projetos. Isso virou uma frequência, e eu uso novamente a plataforma do Multiplicidade e a possibilidade dele distribuir não só conhecimento, mas, às vezes, fomento. Trabalhar com jovem, às vezes, iletrado, é determinante na minha vida. Quem atua com tecnologia, muitas vezes fica seduzido pelo fetiche da última coisa que saiu na última semana. Tive a oportunidade, no início dos anos 2000, de morar 30 dias na Rocinha, envolvido com uma equipe internacional na realização de um documentário. Ali, os jovens tinham uma força criativa para dar soluções e achar caminhos, e entendi que deveria preparar um núcleo de vídeo para que eles fossem melhores artistas visuais e compreendessem as leituras de imagens.

Você pode conferir a íntegra do encontro online sobre o tema “Como a arte pode nos mover adiante” aqui.

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