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Papo de Futuro Especial: Novos rumos e desafios para as Artes Cênicas

10/08/2020

Papo de Futuro Especial: Novos rumos e desafios para as Artes Cênicas

Durante esses tempos de pandemia, como produtores, artistas e organizações estão reinventando seus portfólios e incrementando recursos digitais para manter contato e interagir com suas audiências e redes? Como se adaptaram ao isolamento social? O segundo episódio da série “Diálogos em Trânsito”, realizada pelo Oi Futuro em parceria com o British Council Brasil, teve como tema “Artes Cênicas”, e recebeu dois convidados especiais: o brasileiro Paulo Mattos, curador e idealizador do Festival Segunda Black, e o britânico Matt Fenton, diretor artístico e chefe executivo do Contact Theatre em Manchester (Reino Unido). O encontro virtual foi mediado por Christina Becker, diretora de Artes do British Council Brasil. O Papo de Futuro foi transmitido pela plataforma Zoom e contou com acessibilidade em libras e tradução simultânea.

“A arte preta é muito diversa e, especificamente, nas artes cênicas, tentamos abordar inúmeras questões nos campos crítico e social, que são caros aos artistas pretos nas suas manifestações”, ressalta Paulo Mattos. “Nossas seções com os jovens se tornaram cada vez menos arte, menos teatro, menos criatividade, e mais e mais sobre apoiá-los”, enfatiza Matt Fenton.

Confira abaixo outras dez reflexões de Paulo Mattos e Matt Fenton sobre o tema “Diálogos em Trânsito – Artes Cênicas”:

1)A trajetória do Segunda Black

“Somos um grupo de artistas e intelectuais que, em 2017, entendeu que o processo de ações do teatro negro no Rio de Janeiro era cada vez mais intenso. Daí, pensamos em um formato de apresentação de cenas, em processo ou acabadas, leituras, performances curtas, e que, através de uma interlocução crítica, pudessem chegar ao entendimento do público. Estamos falando de presença de artistas negros na cena, de representatividade, experimentação e processos de produção”, explica Paulo Mattos. Ele exibiu dois vídeos bastante representativos do movimento criado em 26 de fevereiro de 2018. O primeiro vídeo convida as pessoas a participarem do Segunda Black, e mostra o espaço de um evento, que é o terreno da sede da Cia Rubens Barbot, a primeira companhia negra de dança contemporânea no Brasil. O segundo vídeo é uma chamada para a mostra realizada no Sesc Copacabana, no final de 2018, já com cenas de público e artistas no Olabi, organização social que trabalha para democratizar o acesso à tecnologia.

2)As referências da Arte Preta

O Teatro Experimental do Negro, nos anos 1940, no Rio de Janeiro, criado por Abdias Nascimento (1914-2011), com a proposta de valorização social do negro e da cultura afro-brasileira por meio da educação e arte, repercutiu muito, na época, e ainda repercute hoje, ressalta Paulo. Outra referência importante é o Segunda Preta, movimento dedicado a dar visibilidade a atores e atrizes negros do teatro em Belo Horizonte, fundado um ano antes do Segunda Black, mas com princípios semelhantes.

3)A primeira ação diante da pandemia

A expectativa para o primeiro semestre de 2020 era a promoção de um festival presencial, mas, com a pandemia, os planos do Segunda Black tiveram que ser revistos. Após inúmeras articulações junto aos patrocinadores, ainda no mês de março, chegou-se a um consenso de que uma ação muito possível e imediata seria a realização de uma série de conversas com a participação de jovens do movimento e artistas e agitadores culturais, com mais de 60 anos – estes, embora mais vulneráveis naquele momento, tinham muita coisa a oferecer. Essa troca aconteceu através de lives no Instagram, e foi a primeira forma de ação em tempos de Covid.

4)O Contact Theatre e o foco nos jovens

“Vamos falar do poder de mudança e de tradições. A interseccionalidade entre as identidades diferentes, Queer, pessoas com deficiência e outras que se sentem à margem da vida e se juntam para criar ações e mudar. Uma situação presente tanto no Reino Unido quanto no Brasil”, ressalta Matt. Nos anos 1960, o Contact já era um teatro bastante tradicional, bem próximo da universidade. Na década de 90, começou-se a pensar nos jovens como tomadores de decisão, inserindo-os como membros do conselho. São desde adolescentes até a faixa de 35 anos, que formulam as entrevistas, fazem a curadoria do local, garantindo um público mais representativo. “Não se trata de um marketing, foi um salto no escuro. Os jovens se conectaram com o nosso teatro e são parte da decisão. Apresentamos todo tipo de arte em nossa sede e também em outros locais de Manchester”, observa. Há uma série de programas de treinamento, permitindo que desenvolvam suas habilidades, liderem projetos e os levem para suas comunidades. O Contact Theatre tem um grande relacionamento com o Brasil. Ao longo dos anos, recebeu grupos culturais como o AfroReggae, o espetáculo Hysteria, coletivos de Educação. Trabalha também com a Agência de Redes para a Juventude, idealizada por Marcus Faustini, um programa de empreendedorismo desenvolvido nas favelas e periferias do Rio, que utiliza o processo de teatro criativo para pensar em ações sociais que ninguém acreditava antes. Essa metodologia foi, inclusive, importada para algumas cidades do Reino Unido. “Seria a nossa importação brasileira, que estamos empregando também na Escócia e na Inglaterra”, diz Matt.

5)As atividades durante o lockdown

Com a pandemia, a sede do Contact Theatre fechou no final de março e a programação passou a ser online, através da plataforma Zoom. Nesse ambiente, os jovens escrevem, desenvolvem shows, promovem slams – as famosas batalhas de poesia falada que surgiram nos anos 1980, nos Estados Unidos – fazem performances ao vivo por streaming. Um aspecto interessante é usar a arte e a criatividade para ajudar os jovens a processar, entender e lidar com o lockdown. Muitos deles, que vêm de comunidades de baixa renda de Manchester, foram os mais afetados pelo Covid-19. “Ficou bastante claro que precisamos obter telefones, tablets, iPads, computadores, enfim, condições para que essas pessoas possam participar do programa”, relata o diretor. A instituição desenvolve projetos criativos como o Weeks` Notice – sete artistas criando sete comunicações, envolvendo 49 dias de atividades; e o The Lost Summer (O Verão Perdido).

6)Como quebrar as barreiras de acesso

Paulo observa: A questão do acesso é ampla e com muitas restrições. Vale observar que o aspecto da morte, da doença, das dificuldades e dos enormes obstáculos que as populações negras enfrentam é mais grave no Brasil, por uma série de causas estruturais da nossa sociedade. Barreiras até de compreensão do que a gente é. Uma relação social mais progressista, mais igualitária, um acesso mais imediato à arte são algumas das tentativas do nosso trabalho, que é disponibilizar, na medida do possível, ferramentas para que as pessoas acessem mais lives. Matt fala sobre as barreiras: “Eram  inconscientes, e cada vez estão se tornando mais conscientes. Agora, prestamos mais atenção nas desigualdades”.

7)O avanço do Reino Unido no retorno das atividades

Estamos prontos para reunir novamente os jovens, claro que com todas as precauções do distanciamento social, acrescenta Matt, anunciando que na próxima semana devem retomar as atividades com o setor da juventude. Usaremos as áreas externas. No entanto, os espetáculos e performances para um público maior só deverão voltar no próximo ano. Está prevista uma programação totalmente diferente para a primavera de 2021, com shows nas ruas, onde as pessoas poderão caminhar, observar da porta de suas casas, e ouvir individualmente e, talvez, com headphone. É uma versão diferente do Contact Theatre. “Confiamos no espaço digital e brincamos com a tecnologia que nos está disponível”.

8)A readaptação nos projetos

Paulo dá uma prévia do que vem por aí na Segunda Black, e diz que vem observando uma série de experiências artísticas realizadas online, uma nova forma que ele chama de  ‘virtual-presencial’ (coisas que acontecem via Zoom, no momento em que estão sendo produzidas). Algumas ações mostram trabalhos que já haviam sido registrados em vídeo, dialogando com os artistas. A ideia é realizar uma mistura de todas elas. “Fizemos uma chamada selecionando uma série de artistas do Rio de Janeiro e de outras cidades do Brasil. Queremos que os  artistas de rua também se aproximem do movimento”.

9)A questão da sustentabilidade financeira

“Somos bem financiados pelo Estado. O Contact tem um âmago que não foi afetado pela pandemia. Nossa receita comercial, em termos de venda de ingressos, foi perdida, mas continuamos pagando a nossa equipe com dinheiro do governo”, conta Matt. Alguns teatros foram muito prejudicados, o que irá reforçar as desigualdades. Artistas independentes e freelancers não terão reserva financeira, nem apoio ou conexões com os grandes doadores do mundo corporativo. Para alguns, a verba distribuída pelo fundo de emergência do Reino Unido chegou tarde, e já não conseguem mais atuar. Paulo explica a situação por aqui: estamos cercados de incerteza. Ainda não sabemos como será aplicada a Lei Aldir Blanc. Há probabilidade de alguns editais, que, mesmo com  recursos limitados, são fundamentais para os artistas. As articulações entre as instituições públicas e privadas são também necessárias.

10)O que realmente precisa mudar

Há questões importantes, segundo Paulo, como a comunicação entre artistas e público. As diversas ações online ganharam muitos acessos em inúmeros lugares do mundo, agregando linguagens e conhecimento. “Ao mesmo tempo em que vivemos uma grande crise política e institucional, com muitas barreiras afloradas, devemos lutar contra as desigualdades”. Para Matt, primeiro deveria ocorrer uma mudança estrutural e profunda nos sistemas de cultura. E depois, no relacionamento entre os artistas e a comunidade. No Reino Unido, as organizações se tornaram muito poderosas, e algumas coisas precisam mudar, como o financiamento de instituições privadas e públicas, conclui.

Você pode conferir a íntegra do encontro online sobre o tema “Diálogos em Trânsito – Artes Cênicas” aqui.

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