Papo de Futuro Especial: Os museus e a conexão digital
14/08/2020
Neste terceiro e último episódio da série “Diálogos em Trânsito”, realizada pelo Oi Futuro em parceria com o British Council Brasil, o tema é “Museus”. Duas convidadas relatam suas experiências e mostram as práticas educativas por meio digital e como incentivar a conexão com o público durante e após o isolamento social: Mariana Várzea, diretora de criação da Inspirações Ilimitadas e idealizadora do HiperMuseus, e Sedef Gavaz, diretora de iniciativas digitais do Museu de História Natural de Londres. O encontro virtual foi mediado por Bruna Cruz, coordenadora do Museu das Comunicações e Humanidades do Oi Futuro. O Papo de Futuro foi transmitido pela plataforma Zoom e contou com acessibilidade em libras e tradução simultânea.
Museóloga, com 30 anos de atuação no setor cultural, Mariana Várzea enfatiza: “Museus conectam pessoas e pessoas conectam museus”. Especialista em criar bem-sucedidos projetos de engajamento digital, Sedef Gavaz relembra: “Da noite para o dia, passamos de um estúdio, que fazia eventos ao vivo, para um estúdio de transmissão, nos tornando um canal de História Natural”.
Confira abaixo outras dez reflexões de Mariana Várzea e Sedef Gavaz sobre o tema “Diálogos em Trânsito – Museus”:
1)O Museu de História Natural de Londres
“Comecei a trabalhar com o digital há 13 anos e, antes disso, eu era uma cientista pesquisadora”, relata Sedef Gavaz, lembrando que o Museu de História Natural de Londres foi aberto em 1881. Ela fala sobre a nova maneira de se conectar a natureza e a ciência, de qualquer parte do mundo. “Quando se chega ao Museu, a primeira coisa que se vê é um esqueleto enorme de uma baleia que apareceu na costa da Irlanda, e está pendurada no teto. E foi assim que reimaginamos isso virtualmente, antes mesmo de surgir o Covid-19. Uma experiência imersiva, digital e engajadora. A instituição, reaberta há poucos dias, vai acolher uma exposição sobre Harry Potter e os animais fantásticos. O website do Museu contabiliza anualmente 14 milhões de acessos. São 6 milhões de pessoas que ficam especificamente nas áreas de participação e conexão. E, graças ao trabalho de 32 cientistas, muitos ensinamentos importantes acabam chegando às crianças, adolescentes, pais e professores. O segredo do sucesso do Museu, nas palavras de Sedef, é o ‘conteúdo eterno’, que nunca é desatualizado”. Prova disso é que o artigo de maior repercussão no site, sobre o Tubarão Megalodon, predador pré-histórico que chegava a 18 metros de comprimento, recebeu, no período 2017/2018, um milhão de acessos.
2)A nova maneira de interagir
“Um dos dias mais difíceis da minha vida foi em 18 de março de 2020, quando fechamos as portas do Museu. Disse a todos da minha equipe: vão para casa, levem seus laptops e se preparem para um momento difícil, pois estaremos abertos somente através do meio digital. É aí que a inovação começa”, conta Sedef. “Inicialmente, reunimos tudo o que estava relacionado a um tour virtual. Mas já acumulávamos grandes experiências interativas. Criamos o programa online “Try at Home” (Tente em Casa), com uma série de atividades para crianças e pais se divertirem e aprenderem juntos durante a pandemia. Pedimos sugestões aos seguidores de nossas redes sociais e recebemos comentários emocionantes, como ‘vocês salvaram a minha vida’. Além disso, lançamos para os membros afiliados do Museu – alguns vivendo até em outro país – um conteúdo específico, com filmes, artigos e atualização mensal.
3)O sucesso do estúdio virtual
“Tínhamos um estúdio fantástico, como se fosse um anfiteatro, onde as crianças das escolas assistiam apresentações ao vivo. Mas o Museu fechou, encontramos outro software, realizamos testes, gravamos, e hoje, 3.500 pessoas assistem online. Uma configuração técnica por trás das cenas permitiu que os produtores se comunicassem com os palestrantes e recebessem as perguntas do público”, conta Sedef. Ela ganhou, inclusive, o feedback emocionante de uma pessoa que frequentou o Museu durante muito tempo, mas que se tornou deficiente física: ‘Meu lockdown durou dez anos e, agora, vocês transformaram totalmente a minha vida’. Só para se ter uma ideia do sucesso, 47 shows, exibidos através de vídeos, foram assistidos por mais de 400 mil pessoas em todo o mundo. “Estamos construindo um novo tipo de Museu, com equipes emponderadas. Desenvolvemos três anos de inovação em três meses”.
4)A qualidade dos conteúdos
O conteúdo perene, na verdade, é especial, porque nos ajuda a construir o nosso público, não apenas do Reino Unido, mas, também, o global. Sefed elogia sua equipe, que inclui a do estúdio, com seus designers, engenheiros, um time de ciências. Isso é complementado com um banco de dados de pesquisa. Na área de conteúdo, trabalham ainda jornalistas experientes, que investigam e traduzem a informação científica. “Nossa conexão com o público ocorre através de duas maneiras: as perguntas recebidas são respondidas e, ao mesmo tempo, fazemos perguntas sobre o que esse público gostaria de saber. Semana passada, pedimos às pessoas que compartilhassem suas fotos e eventos que marcaram a vida delas durante a pandemia.
5)A experiência do HiperMuseus
Mariana Várzea, representando também a sua parceira na idealização do HiperMuseus, Lucimara Letelier, compartilhou, através de um vídeo, a experiência do programa de formação de conexão totalmente diferente, pensado a partir de 2018. “Sabiamos que precisávamos atuar com a questão da inovação digital e engajamento social para a área de museus. Estabelecer um ambiente de trocas e buscar parcerias. O Oi Futuro e o Musehum foram decisivos na construção desse programa”, enfatiza. Levantou-se toda uma dinâmica de trabalho, a partir da formação de uma rede. Ouviram instituições, realizaram reuniões. E obtiveram bons resultados. Para isso, basearam-se em afirmações essenciais: os museus são agentes de mudança que conectam as pessoas, não adianta só abrir as portas; é preciso estabelecer diálogo, que vá além do presencial. O museu tem um conteúdo relevante e cria novas realidades, atendendo a uma mudança social, sobretudo em países como o Brasil, onde as desigualdades são grandes.
6)Conectar para inovar
A frase define o grande lema do HiperMuseus em 2019. Segundo Mariana, foram desenhados três eixos para o programa: relevância digital – muitos museus brasileiros já tinham o seu site, mas não uma presença nas redes; engajamento nas causas dos ativistas; e a sustentabilidade econômica. O HyperMuseus é uma jornada, que começou com um edital, onde foi feita uma seleção pública, para que as pessoas se inscrevessem. Envolveu instituições profissionais bem diversas em oito estados brasileiros. Depois, foi realizado um seminário, com as reflexões daqueles três eixos, reunindo 200 pessoas a cada dia do encontro. Montaram um laboratório de inovação para prototipagem conjunta de soluções, além de mentorias. Depois, tudo foi editado através de um e-book, disponível para acesso e distribuição gratuita. “Não queríamos só formar ouvindo. E, sim, formar praticando”, explica Mariana.
7)Os impactos provocados
O primeiro deles foi alcançar um total de quase 340 inscrições no Brasil. Através de uma seleção, o tema que mais interessou ao grupo foi a relevância digital. Houve, também, uma grande adesão da mídia, com considerável veiculação dos conteúdos. Foi produzido um programa com 80 horas de trabalho. Outros impactos creditados ao HiperMuseus foram o estabelecimento de parcerias entre as instituições, a formação de lideranças, a geração de novos negócios e a integração da cadeia produtiva dos museus com a cadeia produtiva da inovação. Do ponto de vista de engajamento, 90 por cento dos profissionais nunca tinham trabalhado juntos, 71 por cento atuavam pela primeira vez com um laboratório de inovação. Movimentaram 20 estados com capacidade para investir recursos. Para 2021, está sendo planejada uma nova edição do HiperMuseus, em face da grande demanda recebida de museus brasileiros, principalmente de São Paulo e do sul do país, além dos latino-americanos.
8)É preciso formação para navegar no digital
Mariana fala sobre a pesquisa realizada junto aos participantes do programa, e acentua os bons resultados, diante de uma experiência inovadora. “Conseguimos trabalhar com uma rede muito diversa, que hoje produz ações integradas”. Como exemplo de êxito, ela cita o Museu da Diversidade Sexual, que realizou várias ações, em relação à temática LGBT. Outro sucesso foi obtido pelo Muquifu, o Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos, iniciativa pioneira de museologia social em Belo Horizonte (MG). Nesse tempo de pandemia, existe uma previsão de que 30 por cento dos museus existentes no mundo podem não reabrir as suas portas. “Acho que todos devem estar preparados para o que eu chamo de ‘protocolo das marés’, que é reforçar o digital porque ainda estamos em um quadro de muitas incertezas”.
9)Envolvimento e métricas
Para Sefed, sem as métricas, não existe nenhuma maneira de medir o sucesso. Não se trata apenas do preto no branco dos números; importam as emoções, as conexões. Medimos o crescimento, a questão internacional, o envolvimento de acesso. A esses fatores somam-se o software, a pesquisa, os workshops, as cocriações. Assim, temos oportunidade de nos conectarmos com nossos usuários. A motivação humana é a parte mais importante. Mariana acrescenta: “Estamos em um momento de realfabetização. É impressionante como todas as nossas formações profissionais, nossos relacionamentos, estão passando por um trabalho de refazimento muito grande. Se considerarmos esse período de crises política e econômica, se de fato estamos gerando um valor, não conseguiremos fazer isso sozinhos. Nem as instituições, nem as cadeias produtivas. Os museus de ciência, de uma certa forma, estão um pouco salvos dessa seletividade. Demoramos um pouco para entender a importância da Floresta Amazônica e seus animais. Precisamos refazer esses conhecimentos e construir um outro mundo”.
10)A principal mudança após a pandemia
Os museus irão crescer nas suas formas digitais de trabalhar, aposta Sedef. É impossível voltar atrás. “Criamos oportunidades para pessoas que não podem sair de suas casas para se conectar com a cultura, com a arte, com a ciência. E isso foi fundamental porque representou um mundo muito mais liberal. E devemos fazer tudo o que pudermos para manter esse mundo’. Mariana diz que os museus são instituições que reconhecem seu papel social e de comprometimento, mas precisam saber como o digital chegará em áreas tradicionalmente excluídas da cultura, da pesquisa e do conhecimento. Terão que olhar para as suas comunidades, para o território onde estão inseridos, e realizar ações integradoras e sensiblizadoras. “Quero que as instituições reabram. Já estou morrendo de saudades!