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“Eu, Moby Dick”, de Renato Rocha, estreia no teatro Oi Futuro

28/05/2019

“Eu, Moby Dick”, de Renato Rocha, estreia no teatro Oi Futuro

Aclamado pela crítica internacional por seu trabalho de pesquisa de linguagem com artistas de diferentes nacionalidades, Renato Rocha morou em Londres e rodou o mundo. Trabalhou na Índia, Colômbia, Edimburgo, Berlim e Nova York. Criou espetáculos para a Royal Shakespeare Company, The Roundhouse, LIFT e Circolombia. No Brasil, entre inúmeras experiências, esteve no grupo Nós no Morro, como ator, professor e coordenador de projetos sociais. Acompanhe a trajetória do director carioca de 43 anos, que começou aos 13 no teatro, foi para o circo e a dança, e saiba tudo sobre “Eu, Moby Dick”, que traz a sua versão cênica para a obra-prima de Herman Melville, com estreia em junho no Centro Cultural Oi Futuro.

 

OF: Por que Moby Dick no Brasil de hoje e como esse texto clássico, não teatral originalmente, pode afetar o nosso espectador?

RR: Moby Dick é uma daquelas obras que permanecem no nosso imaginário. Mesmo quem não leu, é provocado em lugares afetivos profundos, carregados de simbologias e mistérios. Mas na verdade, a obra é em si uma metáfora da condição do sujeito contemporâneo. Fala, acima de tudo, das obsessões humanas. Quem é esse cara, Ahab, que cria esse monstro e coloca tudo a perder, inclusive sua vida e de seus tripulantes, por conta de uma obsessão? “Um barco desgovernado, comandado por um lunático, rumo a sua própria destruição e de toda sua tripulação. Quem aqui se identifica?” Assim indagamos o espectador na dramaturgia de Pedro Kosovski. Até que ponto nossas escolhas contribuem e nos levam a uma rota de colisão com nossa própria destruição? Talvez Moby Dick nunca tenha sido tão atual no mundo que vivemos hoje.

OF: Em seus sucessos anteriores, você costuma transformar o espaço cênico numa plataforma multimídia multidisciplinar, proporcionando uma verdadeira experiência ao público. Como funciona o seu processo de criação?

RR: Tenho chamado meu processo de criação de um processo criativo antropofágico, pois se utiliza do próprio material humano dos artistas envolvidos, que deglutidos viram a própria obra. Ou seja, eu alimento os artistas com as metáforas contidas na obra e os provoco a criarem atravessamentos íntimos e pessoais. Dessa forma, Moby Dick, no caso, vira um pretexto para a desobstrução dos afetos dos artistas. A partir de como eles devoram essas referências, trazem algo deles para o processo, criando um engajamento físico-emocional diferenciado com esse material. E a obra final se dá, a partir de como eu devoro, degluto e sou intimamente atravessado por esse material. E a ideia da experiência surge do desejo de criar esses mesmos atravessamentos com o espectador, da necessidade de colocá-lo no centro da ação dramatúrgica, deslocando-o do lugar de um entendimento lógico e racional sobre a obra, uma vez que não lhe é dado todas as peças e ele é convidado a construir sua própria dramaturgia final, a partir de como ele se relaciona e especula sobre o que vê, interagindo com a obra com suas próprias vivências pessoais. E nesse caso, a interdisciplinaridade é uma parte essencial para que as pessoas sejam atravessadas a todo momento por canais e sensibilidades diferenciadas.

OF: Como foi a sua experiência em Londres?

RR: Os anos que passei em Londres foram essenciais para o meu desenvolvimento como diretor e da minha pesquisa multidisciplinar. Eu trabalhei com festivais importantes e instituições de ponta, interessados na pesquisa e na inovação das tecnologias para linguagens estéticas e experiências imersivas. E que investiam o tempo e os recursos necessários para que a pesquisa fosse feita em alto nível. Sempre tive a oportunidade de trabalhar com equipes e elencos de diferentes disciplinas, culturas e nacionalidades, o que valorizava e potencializava ainda mais a pesquisa de linguagem e a tentativa de repensar o lugar do espectador e sua relação com a obra. Londres foi também o passaporte para minha carreira internacional, devido aos diversos convites para criar trabalhos em outros países e continentes, dialogando mais profundamente com diferentes culturas, olhares e formas de criação, o que me modificou profundamente como artista e ser humano, meu olhar para o mundo e para mim mesmo.

OF: A sua pesquisa artística dialoga com a dança, artes visuais, música, tecnologia e técnicas circenses. Como você se identifica realmente?

RR: Eu me identifico no lugar da pluralidade e da busca por outras formas de criação que partam do material humano de cada artista envolvido, de suas inquietações, e de suas diversas formas de expressão e relação com o mundo. E que esses entrelaçamentos proporcionem ao espectador uma experiência, onde possamos ser afetados em lugares sensíveis, que não necessariamente somos capazes de identificar ou falar sobre. Mas que nos confrontam com o que somos hoje.

OF: Você colabora com projetos em diversos lugares do mundo, no uso da arte como poderosa ferramenta na transformação social e no engajamento de comunidades e indivíduos em situação de vulnerabilidade. Conte-nos sobre esse trabalho tão importante nos dias de hoje.

RR: Realmente é um trabalho graticante. Fui entendendo a dimensão dele na prática. Trabalhei por sete anos com o Guti Fraga no grupo Nós do Morro. E assim pude perceber como a arte é uma poderosa ferramenta no trabalho de inclusão social, levando o ser humano a perceber suas potencialidades e percebendo-se capaz de contruir sua prórpia história. O Brasil é pioneiro nesse tipo de trabalho no mundo, e muito da nossa tecnologia nesse assunto, vem das famosas ferramentas criadas por Augusto Boal e pelo Professor Paulo Freire. Quando fui pra Londres para trabalhar no RSC (Royal Shakespeare Company), além de trabalhar como diretor, colaborava com o departamento de educação deles, levando um pouco desse conhecimento. Isso me levou a colaborar com projetos em outros países, em lugares com realidades totalmente distintas, como Egito, Tanzânia, Quênia, Índia, Nova Iorque, Colombia e outros países da Europa. Assim, em cada lugar, eu ia sendo atravessado por excelentes modelos com os quais fui aprendendo, interagindo, colaborando também. Dessa forma, fui desenvolvendo minha própria filosofia de trabalho, e fiz disso uma plataforma multicultural. Hoje colaboro com projetos em diversos lugares do mundo, treinando equipe de professores e líderes comunitários, ajudando a pensar e implementar filosofias e metodologias no uso da arte, não só como instrumento capaz de espelhar o ser humano, mas também como forma de educação e formação do cidadão enquanto indivíduo capaz de pensar, motivar e modificar a realidade onde vive.

OF: Em janeiro de 2019, você dirigiu “Meu destino é ser star”, que mostra um grupo de jovens montando um espetáculo com canções de Lulu Santos. Agora, no Centro Cultural Oi Futuro, estreia “Moby Dick”. O que mais o diretor Renato Rocha nos reserva para esse ano?

RR: Desde que voltei ao Brasil, em 2016, criei o NAI – Núcleo de Artes Integradas, um núcleo de pesquisas continuadas, com o intuito de criar plataformas multidisciplinares e multiculturais, onde a partir do conceito de antropofagia, fundamentar estruturas de processo criativo, capazes de produzir dispositivos, ferramentas e fundamentos para pesquisas de possíveis dramaturgias, corporeidades, estados sensórios e afetivos e linguagens estéticas. Nosso primeiro espetáculo “Antes que tudo acabe” (Before Everything Ends), foi criado a convite do National Theatre of Scotland, especialmente para o Festival Home Away, em Glasgow. Nosso segundo trabalho, S’BLOOD, transformou a Casa Rio, em Botafogo num Site Specific, numa instalação performativa, e fomos indicados ao Prêmio Shell de 2018 na categoria Inovação. Em outubro desse ano vamos abrir nossa pesquisa mais uma vez ao público e apresentar nossa mais nova criação, o projeto “ESCOMBROS”, uma experiencia imersiva, interdisciplinar e intercultural, que transformará a Casa da Glória, no Rio de Janeiro, num Site Specifc, uma instalação Performativa.

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