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UM PASSEIO PELA OBRA DE NIURA BELLAVINHA

29/08/2014

UM PASSEIO PELA OBRA DE NIURA BELLAVINHA

A premiada artista multimídia mineira, com trabalhos  em coleções públicas no Brasil e no exterior, apresenta, no Oi Futuro Flamengo, a exposição “Em Torno da Luz”, um panorama conceitual de sua obra, que trafega por diversas linguagens, como a pintura, o desenho, a fotografia, o filme e a performance.

 

OF. Como surgiu a sua vocação para as artes, especialmente, a pintura?

 

NB. Houve uma tarde, quando soltava pipa nas proximidades de casa, minha pipa entrou em uma nuvem e voltou (molhada de nuvem), pintando de vermelho tudo que tocava. A extensão daquilo foi imensa. A pedra de toque (!) A partir daquele dia me tornei pintora.  Experimentar transformou a minha vida, e  a possibilidade de criar uma técnica e a partir de erros e acertos, o tom da liberdade.
Escolhi  ferramentas além das tradicionais e tomei para sempre a informação e a formação como matéria-prima fundamental. No inicio, minhas pinturas eram espessas e carregadas de tinta. Houve um dia que decidi lançar jatos de água e terebentina sobre uma tela… A massa de tinta não secou… Ficou tudo escuro… E na manhã seguinte, ao entrar no atelier, uma revelação, havia ali um outro caminho.  O algodão cru havia se transformado em “luz”. A experimentacão com a pintura aproximou minha linguagem ainda mais da gravura, da fotografia e do cinema, onde o branco é a pele, a superfície do papel ou a luz.

 

OF. Qual a influência de Amílcar de Castro na sua formação artística?

 

NB. Ele sempre falava que não sabia pintar,  mas que tentaria me ajudar. E dizia que eu era da Lígia e do Hélio… Era professor na Escola Guignard, quando fui fazer o Curso Livre.  Naquele momento me convidou para assistir suas aulas, porque gostou do meu traço (!)  Me apresentou  Guignard, Segall, Goeldi, Beuys, Duchamp, Cèzanne, Manet e, principalmente, Matisse, aos 14 anos. Sugeriu que eu procurasse o Iberê Camargo. Foi muito importante, fundamental. Amilcar sempre passava no meu atelier, levava outros artistas, críticos, curadores (!) Ele dizia que eu parecia um Samurai, quando estava pintando. O convidei para ver as obras que apresentaria  na  Bienal de São Paulo, ele levou amigos colecionadores, ao sair, me abraçou e disse: “sua pintura é uma porrada, Bellavinha!”

 

OF. Questões como a luz, o corpo e a cor estão sempre presentes em sua obra. Como é explorar essas qualidades cromáticas?

 

NB. A luz é o princípio! E como havia colocado, pintar retirando as camadas de  tinta, aproximou minha linguagem da luz. Sigo experimentando. Sempre penso o corpo como cor, principalmente nas performances. Em “performed painting – à linguagem”,(2003), cinco mulheres – negra, morena, loira, ruiva, vermelha,  sopram  pigmentos cosméticos e criam uma pintura no ar. A primeira cor que surge no espaço branco (tela), é a cor dos corpos nus, em seguida a pintura efêmera. As ondas cromáticas, o tempo da cor quando nas telas, transbordam a bidimensão.  E nos filmes e vídeos, o tempo na pintura em movimento, evidencia a quarta dimensão.

 

OF. O que o público poderá esperar de “Em Torno da Luz”, a nova exposição no Oi Futuro?

 

NB. O tempo da pintura.Venho de uma região onde há luz cortando as brumas das manhãs, onde as nuvens baixam nos vales e cumes de montanhas, fazendo levitar as pedras. O estado de suspensão, observar e sentir a condição ascensional da pintura, me fez buscar a minha linguagem. Escolhi pintar usando ferramentas diversas. A luz como principio da visão, o principio de tudo, a luz como metáfora. Pintar com o sopro, com jatos de água e ar comprimido. Pintar com infiltrações, com os fluidos. Pintar com a matéria do mundo. Pintar sobre a paisagem em movimento, usando o ar, a água, o corpo, a poeira como matéria e superfície. Pintar com o olhar o tempo todo.

 

OF. Como foi rodar o filme “NháNhá”, criado especialmente para amostra?

 

NB. Filmar NháNhá foi uma experiência quase transcendental! Os ventos estiveram a favor! A equipe especial(!): Baxter, Daniel Herthel, Alberto Saraiva, Marcelo e os Antônios, Lima e Machado. NháNhá está presente desde uma viagem ao interior… em busca de raízes, pode ser uma fantasia, um suspense, e assim aconteceu… A estrada de asfalto era estreita e havia um fio de terra entre as pistas.  Seguimos adiante e a pista transformou -se em pura terra vermelha. Paramos por um pouco de água e ao lado havia uma casa no alto de um morro cortado por maquinas e tratores que exploravam as minas… (Estava  na terra de minha avó,  e me lembrava de poemas… dentre eles “A máquina  do mundo” e “O relógio do Rosário”…*). Entrei. Ao entrar na casa e olhar aquelas paredes parecia estar diante de um milagre!  Há coisas para as quais olhamos durante anos e não as enxergamos, há coisas que nos olham, há momentos em que somos surpreendidos! Naquela pequena casa, que sobrava no alto daquele morro, as contra-formas mantinham a vida presente, e a luz que entrava pelas frestas, mantinha a respiração … Comecei a escrever o Roteiro naquela noite. Três dias, três noites sem dormir… Logo no inicio das filmagens do NháNhá, encontrei um envelope, contendo fragmentos das paredes da casa da infância, minha primeira pintura (!)

 

*Carlos Drumond de Andrade

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