Uma imersão na cultura dos indígenas Kuikuros
27/10/2017
Como parte da Semana Xingu, o Festival Multiplicidade trouxe ao Centro Cultural Oi Futuro um dia inteiro dedicado a oficinas de rituais e linguagens com os indígenas Kuikuros, do Alto Xingu, que participaram de um residência artística no Oi Futuro com artistas brasileiros e estrangeiros sob curadoria do artista visual Batman Zavareze. O público que passou pelo evento teve aula de Karib, língua nativa dos Kuikuros, oficina de pintura corporal tradicional, oficina de canto e dança, palestra com o especialista em tecnologia Ferdinand Saumarez sobre as mais avançadas técnicas de digitalização de patrimônios culturais em risco, acesso a uma instalação ambisônica da Factum Foundation e ainda encerrou o dia com um bate-papo sobre a situação dos povos indígenas do Brasil com o professor de arte e teatro Paul Heritage e o antropólogo e ex-presidente da FUNAI Mércio Pereira Gomes. O grande desfecho da noite ficou por conta da apresentação de artistas Kuikuros no palco do centro cultural do Oi Futuro.
Confira agora um diário do evento e como foi, em detalhes, cada uma dessas etapas:
15h40 – Aula de Karib com Yamalui Kuikuro
O pesquisador indígena começou a oficina explicando as origens da língua dos Kuikuros e as diferentes etnias que a utilizam. Ele contou à plateia que aprendeu a história de seu povo através de histórias contadas pelos mais velhos e não na escola, assim como o Karib, que aprendeu através da experiência. Yamalui ensinou aos participantes a escrever e falar “bom dia” na língua Karib. Ao falar sobre as diferenças sutis no modo de pronúncia das sílabas, Yamalui explicou a pronúncia da sílaba “tsa” e brincou ao dizer que na língua deles não há risco de pronunciarem errado o termo “WhatsApp”, que em português, muitos pronunciam “Whatizap”, arrancando risos do público.
“A oficina é incrível. Na primeira parte, a gente conheceu um pouco sobre a língua Karib. É uma língua bem diferente da nossa, então a gente pôde comparar, por exemplo, que na sintaxe, a frase termina com o verbo. E há uma vogal a mais do que no nosso sistema. Então a gente aprendeu a falar “tudo bem”, “boa tarde”, pequenas expressões, e teve ideia de como de fato é a língua”, conta a professora Sabrina Alvernaz, de 31 anos.
16h20 – Oficina de pintura corporal tradicional Kuikuro com Nega e Tuiuta Kuikuro e a maquiadora Evelyn Falcão + Ilustrações e mapas afetivos com as artistas Ellen Rose e Myllena Araujo
A oficina de pintura e o bate-papo com as artistas aconteceram simultaneamente. As indígenas se concentraram no trabalho e fizeram grandes pinturas em pouco tempo. Os participantes puderam escolher entre fazer suas pinturas com tinta guache ou nanquim.
Enquanto isso, as artistas falavam sobre suas experiências vividas no Xingu, leram um texto inspirado em uma obra de Ítalo Calvino e propuseram que os participantes fizessem um desenho criado a partir das impressões tiradas do texto. A artista Ellen Rose pediu para que as pessoas tentassem deixar de lado por um momento a visão de cidade grande na hora de fazer o desenho para focarem em outros aspectos. Ao terminarem os desenhos, Ellen e Myllena expuseram todos eles sobre a mesa e começaram a discuti-los. Todos os trabalhos foram elogiados.
“O público estava muito receptivo e bastante curioso também em saber como foi minha experiência no Xingu. Eles ficaram bastante curiosos, fazendo perguntas de como foi minha relação com as crianças e tudo mais. Como foi que eu trabalhei com as crianças o desenho. E aí eu contei pra eles essa relação com o mapa afetivo… Bom, como essa oficina aconteceu de maneira livre, nós não sabíamos que faixa etária iriamos receber. Então, viemos preparados pra trabalhar com crianças ou uma galera mais velha. E acabou que ficou bem misturado e a resposta do desenho foi incrível. Temos desde desenhos mais realísticos da aldeia quanto relações mais abstratas, representando o que estava sendo passado no texto e seguindo aquelas linhas totalmente contorcidas e abstratas do que é pensar a aldeia”, explica Myllena Araujo.
18h15 – Ferdinand Saumarez, especialista em tecnologia da Factum Foundation, fala das mais avançadas técnicas de digitalização de patrimônios culturais em risco e de seu trabalho no Xingu
Com auxílio de uma tradutora, Ferdinand iniciou a palestra falando sobre as origens e o trabalho da Factum Foundation pelo mundo. Ele exibiu imagens dos maiores trabalhos que a fundação já fez e falou sobre a importância de preservar obras históricas. Ressaltou ainda que o trabalho da empresa permite que mais pessoas tenham acesso a essas obras com o máximo de fidelidade e sem danificar as originais.
O especialista disse que o trabalho no Xingu foi um dos maiores desafios da sua vida. Ele precisou de toda a tecnologia possível para fazer um trabalho mapeador e não apenas antropológico. Ele brincou ao dizer que imaginou que seria a primeira pessoa a trazer drones para o Xingu, mas descobriu estar totalmente errado, pois os indígenas já conheciam a tecnologia. Se contentou em ao menos ser a primeira pessoa a fazer um mapeamento desse tipo no Xingu.
19h30 – Instalação Ambisônica da Factum Foundation
Adultos e crianças andaram pela instalação, outras permaneceram parados apenas experimentando as sensações sonoras trazidas pela obra de arte.
20h25 – Bate-papo e Rituais e Linguagens
O público entrava no teatro enquanto Yamalui Kuikuro apresentava um dialeto na língua Karib. Havia apenas uma luz sobre o indígena. À medida que a luz diminuía o público avistava apenas a silhueta de Yamalui. Uma experiência sonora e visual. Paul Heritage e Mércio Pereira começaram o bate-papo e o antropólogo afirmou que “o índio é a alma do Brasil”. “O povo deveria atentar para o sofrimento e o renascimento desse povo, pois o caráter da nossa nação se construiu na base do caráter do índio. A presença do índio é o ideal do Brasil”, disse Pereira.
Nega e Tuiuta Kuikuro apresentaram três números de dança e cantos rituais e o público começou a interagir batendo palmas junto com as indígenas. Um novo ritual se iniciou, desta vez com cinco guerreiros homens. O público bateu palmas juntamente às canções, com incentivo de um dos indígenas. Ao fim, Yamalui explicou a origem dos rituais.
Os Guerreiros se prepararam para um ritual de luta. O clima foi amigável entre eles e até arrancaram risos da plateia, que reagiu aplaudindo ao final dos dois combates. O Guerreiro Jair se apresentou e afirmou que odeia ser chamado de índio ou indígena. Disse que quer ser chamado de “povo originário do Brasil”. Ele encerrou dizendo a frase “”.