SXSW 2022: tendências para além do metaverso
25/03/2022
O Brasil só perde para Inglaterra como o país com a maior comitiva de estrangeiros do South by Southwest 2022. São profissionais e acadêmicos em busca de tendências, além de startups que têm na área de inovação e tecnologia uma plataforma importante de visibilidade e negócios. Direto do maior evento de debates, discussões e reflexões sobre tecnologia e inovação do mundo, separamos algumas tendências para os próximos anos apontadas por dezenas de nomes que ocuparam os palcos e telas do SXSW 2022.
1 Web 3.0 e Múltiplas Identidades
A revolução digital é consequência das mudanças ocorridas na sociedade, ao mesmo tempo que provoca muitas outras. Ela vai além da digitalização: é uma transformação cultural com ações estruturadas a partir da tecnologia. Assim, surge o termo Web 3.0 – que ainda está em construção mas foi citado na maioria das mesas do SXSW. Refere-se a uma infraestrutura que terá acesso às nossas informações de uma forma nunca antes pensada. Como apontou Amy Webb em sua palestra de abertura do evento, a Web 3.0 é sobre acessibilidade, transparência, interoperabilidade e confiança.
O tão falado metaverso é um componente-chave da Web 3.0, com uma internet mais imersiva, descentralizada e aberta. A Web3 abrirá uma nova fronteira de experiências digitais sem precedentes através do uso do metaverso. E é nele que o fenômeno das múltiplas identidades deve se consolidar. Hoje, o mundo social, do trabalho, da cultura e entretenimento, dos negócios, já gira em torno de perfis criados para atingir grupos-alvo com ofertas e conteúdos relevantes nas redes sociais. A tendência de cada indivíduo ampliar sua identidade em múltiplas plataformas e lugares, tendo uma persona para cada ambiente, encontra o campo perfeito no metaverso – ou, como Rohit Bhargava chamou em sua apresentação, multimetaverso.
“Com a ampliação do individualismo, as pessoas estão cultivando cuidadosamente como são percebidas e perseguindo um padrão. Elas criam perfis para interferir em como as pessoas as percebem. O desafio será fazer uma curadoria de nossas próprias identidades, que são múltiplas pois se adequam ao perfil do ambiente onde e para o qual foram criadas”, apontou o escritor.
Inteligência Artificial e Deep Fake
Outro pilar dessa nova era da computação, a Inteligência Artificial, definida como a capacidade de uma máquina para desempenhar funções cognitivas tão bem ou melhor do que humanos, já é capaz de detectar fraudes, resolver problemas de negócio e gerenciar cadeias de suprimentos e, segundo Amy, está chegando a um patamar de tomada de decisões que se assemelham às decisões humanas, mas sem a nossa participação. “Ela está permanentemente mudando nossa percepção da realidade, a nossa forma de comunicar e dar sentido ao que é comunicado e impactando na nossa forma de sentir, na medida que é capaz de identificar as emoções e replicá-la em tempo real”.
Em suas inúmeras possibilidades, uma das maiores preocupações atuais com a Inteligência Artificial é a proliferação e o mau uso da tecnologia Deep Fake. A ferramenta usa IA para editar vídeos trocando o rosto de pessoas, sincronização de movimentos labiais, expressões e vozes sintéticas extremamente convincentes. Embora seja possível usar a própria Inteligência Artificial para detectar deepfakes, as falhas das empresas de tecnologia em efetivamente agir para controlar sua proliferação são evidentes. Mas no SXSW o mercado de Deep Fake foi abordado também como uma grande oportunidade de impacto positivo, para além do risco das Fake News e da desinformação que podem gerar. =
Pessoas que perderam a voz, como o cientista Stephen Hawking, poderiam usar a tecnologia de vozes sintéticas para voltar a se comunicar de forma mais natural. Em termos de negócios, uma empresa que trabalhe, por exemplo, com treinamento pode disponibilizar seu conteúdo em 20 línguas de forma imediata. É um caminho infinito de opções para todos os setores e indústrias impactadas. Fundador do Center for Humane Technology, um dos criadores do documentário “O DIlema das Redes e ex-cientista de computação do Google, Tristan Harris alertou para a urgência na criação de um sistema de responsabilidade e autoconsciência que limitem o desvio no uso de tecnologias como Deep Fake. Será que os benefícios da IA superam os seus riscos?
Criptomoedas, controle e produção cultural
A Web3 chega com o Blockchain acoplado. No SXSW 2022, a discussão não girou em torno de questionamentos quanto à adoção das criptomoedas pela economia global, mas sim sobre quando e em que formato isso acontecerá. A aposta é que as criptomoedas não são somente parte da evolução digital, mas a primeira resposta real e possível de revolução financeira para um sistema mais justo e menos concentrado de riqueza, mudando a forma como compramos, vendemos, emprestamos, cobramos e guardamos dinheiro. El Salvador foi o primeiro país a adotar o Bitcoin como moeda oficial. Outros os seguirão? A conferir…
Nesse novo ambiente da Web 3.0, tudo o que se faz, produz ou escreve virá com um registro que permitirá acompanhar a autoria facilmente. Isso abre uma oportunidade incrível para a comercialização dos NFTs (produção artística das mais variadas), expansão (ainda maior) das criptomoedas, descentralização do mercado e mais segurança para quem vende, compra, navega e se diverte na internet. Em sua apresentação no evento, Rob Jonas, CEO da Luminate Data, empresa de análise de dados com foco na indústria de tecnologia, mostrou pesquisa de sua empresa referente a dados do ano passado: 17 bilhões de dólares em NFTs foram negociados, um aumento de 21.000% em relação a 2020. “Músicos iniciantes estão usando as NFTs como um instrumento financeiro em vez de um veículo criativo. As ofertas de NFTs continuarão a evoluir nos próximos anos, com os consumidores usando-os como uma forma de se engajar com os artistas que eles amam. Artistas, criadores e músicos usam NFTs como uma forma de monetizar as audiências mais efetivamente”, apontou Jonas.
Diversidade e Inclusão
O impacto social da diversidade, a necessidade de programas de inclusão da comunidade LGBTQIA+ nas organizações e de suas vozes nas produções audiovisuais, os movimentos de inclusão racial e body positive (pela aceitação do corpo sem a necessidade de se enquadrar em um padrão) na mídias e nas empresas, a representação e espaço à perspectiva das mulheres em espaços dominados pelo masculino, a importância de incluir a diversidade nas diferentes fases do processo de design de produtos e serviços, as deficiências canalizadas para resolver desafios criativos de forma inovadora foram temas que proliferaram na programação do evento, inclusive e sobretudo quando o tema era inovação e tecnologia.
Se por um lado a internet web 3.0 e tecnologias como blockchain foram pensadas de forma inclusiva, possibilitando ao indivíduo ter muito mais controle dos seus próprios dados e informações, ao mesmo tempo muitas dessas inovações emergentes estão na mão de empresas. “Quem está construindo estes espaços está pensando na otimização para todos de forma democrática? Como garantir a equidade?”, questiona Amy Webb, para quem a Inteligência Artificial ainda não contempla a inclusão e diversidade necessárias, carregando muitos estereótipos.
O relatório da Luminate apresentado por Jonas no SXSW mostrou onde houve progresso real em termos de inclusão e representatividade – na indústria do audiovisual e entretenimento. No que tange à representação de personagens negros, asiáticos e latinos hispânicos nos filmes e programas de TV americanos, 60% tiveram um protagonista negro nos últimos dois anos, já 42% eram protagonizados por mulheres. Além disso, 31% por cento de todos os filmes lançados durante a pandemia tiveram um papel principal latino/hispânico, enquanto 33% eram asiáticos. “De nossa perspectiva, o setor finalmente atendeu à demanda que os consumidores desejam por conteúdo mais representativo. E felizmente o progresso foi feito”, ressaltou.
O controle da saúde na palma das mãos
Computadores, biologia e cuidados com a saúde estão cada vez mais integrados na costura de conhecimentos multidisciplinares para avançar nas descobertas científicas e médicas. A inovação e as soluções tecnológicas têm potencial inquestionável de impulsionar a saúde, promover hábitos saudáveis e, finalmente, melhorar a vida das pessoas. A pandemia de Covid-19 mostrou que somos capazes de criar novas soluções para os desafios de saúde de forma ágil. Por que não replicar a experiência de desenvolver vacinas de Covid-19 em um prazo tão curto para outras doenças? Como aproveitar a tecnologia para facilitar a vida de pacientes crônicos?
Para Scott Galloway, professor da Universidade de Nova York e palestrante do SXSW, em um futuro que já começou, as pessoas lidarão com tudo que se refere à saúde e bem-estar por meio de seus dispositivos, como smartphones ou smartspeakers (como o robô Alexa), que são capazes de conectar alimentação, acesso a farmácias online e outros tipos de serviço de saúde, criando um infinito banco de dados. A grande aposta para equidade e acesso à saúde – e também o grande questionamento de como isso será utilizado – é exatamente o machine learning, usado para análise de dados e novas previsões, além de recomendações personalizadas. Temos cada vez mais dados sendo gerados que podem virar inteligência, sendo analisados para individualizar os tratamentos. Afinal, já temos recomendações de filmes personalizados, livros personalizados, por que não personalizar recomendações de tratamentos?